*Mhario Lincoln
Sempre gostei de ler Maria do Rocio Vaz. A primeira vez que tive contato literário com ela, foi no lançamento da coletânea (individual) "Coletiva Marianas", no Palacete dos Leões, aqui, na capital do Paraná. Naquele livro - "Escreva, Maria" - foi possível notar através daquelas expressões poéticas a literal tradução de seus olhares sobre o amor, a dor, a vida e a alma feminina.
Na época escrevi: "(...) uma seiva guardada em suas veias transborda no papel, ora como orvalho fresco, ora como lágrimas contidas. Por meio de sua poesia cede voz à emoção rompendo silêncios e escrevendo histórias. “Escreva, Maria!” é um relato da alma, onde as palavras brincam de fazer sentir". (Para ler a íntegra publicada em 12.07.2022, siga o link: https://encurtador.com.br/fCItU ).
De lá para cá Maria do Rocio Vaz evoluiu em sua poética, amadureceu de forma reconhecida. Nesta poesia que ora analiso, inclusive, dá para vislumbrar o uso de uma nova técnica usado por alguns dos grandes nomes da literatura universal: a repetição do verso. No caso, “Bem que eu queria” passa a ter uma importância muito grande no contexto porque explicita a súplica por uma suspensão do cotidiano e a ambição de deter o fluxo incessante da realidade.
Ora, sob essa percepção acima, fica impossível (mutatis mutandi) não chamar para a mesma mesa, o grande Vinicius de Moraes, que celebrou a eternidade do sentimento ao mesmo tempo em que reconhecia "sua natureza efêmera". Isto é, bem que ele também queria que fosse infindo. Isso fica claro no célebre “Soneto de Fidelidade”, onde Vinicius exprime o anseio de que o amor seja “infinito enquanto dure”, relatando a tensão que se estabelece entre um ideal de perpetuidade e a realidade da finitude humana.
Ora, ainda, quando a autora escreve “Bem que eu queria / Que a noite não findasse, / Que o sol se esquecesse de nós, / Por um dia ou por anos...”, exatamente aí, se revela o ímpeto de eternizar o instante amoroso na esfera noturna, onde o mundo exterior parece menos implacável. O pedido para que o sol “se esqueça” de iluminar a vida, (outro detalhe interessantíssimo), reflete o anseio de permanência num refúgio de intimidação.
Essa mesma intensidade se evidencia na formulação “Ouvir em sussurros: 'Eu amo você!' / Mil vezes, na madrugada...”, em que a reprodução (quase exagerada) do afeto, pretende ter uma espécie de garantia contra o fim resultante. (Ideia lírica intermitentemente genial).
Contudo, ao ler esses versos, fica impossível não dividir a mesa com Erich Fromm. Para quem leu "A Arte de Amar", entendeu a abordagem de Fromm com pertinência ao amor como uma prática, "uma arte que requer cuidado, responsabilidade e conhecimento contínuo". Ou seja, a eternidade do amor manifesta-se não como ausência de fim, mas como cultivo incessante de uma disposição afetiva que, na medida em que persiste, é capaz de se prolongar ao longo do tempo.
Há de se destacar, igualmente, que no plano da experiência poética, a percepção entre a carne e o espírito, o desejo físico, por vezes, se funde ao anseio de uma união que ultrapasse as barreiras da fugacidade. Porque na concepção da poeta curitibana, (formada em formada em Comunicação, pela Universidade Federal do Paraná), o amor, elevado a essa condição, torna-se um ideal que procura harmonizar a intensidade do sentimento com algo que, mesmo sujeito às variabilidades do tempo, aspira a uma espécie de continuidade.
Por fim, ao afirmar “Um sonho que fosse de verdade, / Onde nós não acordássemos / Nem para suspirar de felicidade...”, Maria do Rocio Vaz sugere - com clareza poética - a fusão entre o onírico e o real, como se apenas no sonho possível fosse se manter em perpetuidade sem os sobressaltos que a consciência do dia impõe.
Destarte, o poema a meu ver, converge para o sublime, na medida em que exprime o fervor amoroso de maneira comovente e delicada. O sublime, aqui, não se confunde com a grandiloquência ou a vulgaridade, mas encontra-se na capacidade de traduzir sentimentos profundos com palavras simples, quase sagradas, que exaltam o instante de comunhão amorosa como epifania. Em sua estrutura breve e na cadência do refrão, “Mil Vezes” conserva a musicalidade própria dos poemas que, em sua simplicidade aparente, dialogam com questões filosóficas mais amplas: a luta contra a finitude e o anel de transcender as contingências mundanas.
Parabéns, Maria do Rocio Vaz.
*********
A POESIA.
MIL VEZES
Bem que eu queria
Que a noite não findasse,
Que o sol se esquecesse de nós,
Por um dia ou por anos...
Bem que eu queria
Que os seus olhos de luz
Não me deixassem só
Nessa escuridão...
Bem que eu queria
Ouvir em sussurros:
"Eu amo você!"
Mil vezes, na madrugada...
Bem que eu queria
Um sonho que fosse de verdade,
Onde nós não acordássemos
Nem para suspirar de felicidade...
Maria do Rocio Vaz
*********
*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.