*Mhario Lincoln
Recebi essa foto da indicada para a Academia Poética Brasileira, à próxima vaga, poeta e escritora Socorro Guterres, autora de um dos grandes best-sellers da sua área de ensino, "Nos Domínios da Linguagem (Veredas)", livro em que ela corrobora, de forma excepcional, uma espécie de fricção emotiva da sua vontade com o prazer de escrever um texto, de desnudá-lo, de buscar essências, de retirar as letras do sonambulismo.
Agora imagina a mesma Socorro Guterres, hipoteticamente, no emblemático Café La Biela, em Buenos Aires, onde esteve recentemente, conversando Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, figuras centrais da literatura argentina, em mesa simbólica, próxima à entrada do local.
Aí, comecei a pensar, cá com meu lápis de cor, como seria uma oportunidade única dessas, onde milhares de possíveis interações literárias entre esses autores e a literata brasileira poderiam surgir.
Primeiro, é bom saber que Borges, conhecido por sua erudição e interesse por diversas literaturas, poderia iniciar uma conversa mencionando sua admiração por Machado de Assis, um dos pilares da literatura brasileira, destacando a complexidade narrativa de “Dom Casmurro” e a sutileza com que Machado aborda a ambiguidade e a subjetividade, temas caros ao próprio Borges.
Por sua vez, quem sabe o mestre Casares não poderia expressar interesse pela obra de Clarice Lispector, cuja prosa introspectiva e inovadora ressoa com as explorações do eu e da realidade presentes em suas próprias narrativas. Ele poderia comentar sobre "A Paixão Segundo GH" e a maneira como Lispector desconstrói a identidade e a percepção.
Aliás, abro um parêntese para relembrar uma síntese dessa gigantesca obra. O que se passa nela é o seguinte: após o fim de uma paixão, G.H., escultora da elite de Copacabana, decide arrumar seu apartamento, começando pelo quarto de serviço. No dia anterior, a empregada se foi. Então, no quarto de serviço, G.H. se depara com uma enorme barata que revela seu próprio horror diante do mundo, reflexo de uma sociedade repleta de preconceitos contra os seres que elege como subalternos. Diante do inseto, G.H. vive sua via-crúcis existencial. A experiência narra a perda de sua identidade e a faz questionar todas as convenções sociais que aprisionam o feminino até os dias de hoje.
De volta aos nossos personagens, Borges e Bioy Casares não publicaram algo significativo sobre a literatura brasileiras. Mas como estou navegando em uma página hipotética, é plausível supor que ambos, sendo leitores ávidos e críticos atentos, tenham consciência de figuras proeminentes da literatura brasileira. A inclusão de autores brasileiros em antologias organizadas por eles, como a "Antologia da literatura fantástica", sugere um reconhecimento da riqueza literária do Brasil.
Agora imagina o que seria ouvi-los de forma direta. A sensação da poeta brasileira, Socorro Guterres, seria, sem dúvida, extraordinária. Ela, com certeza, falaria sobre um estudo publicado na "Latin American Research Review" (Cambridge.org), onde são analisadas as visões de Borges sobre raça e sobre o povo brasileiro, destacando comentários que refletem as atitudes de sua época e classe social.
Embora as interações diretas entre Borges, Bioy Casares e Socorro Guterres sejam simbólicas, é evidente que fica na cabeça do brasileiro que entra no Café La Biela e se depara, de chofre, com essa mesa especial. Com certeza a cabeça desse visitante logo imaginaria uma ponte simbólica entre as tradições literárias da Argentina e do Brasil, a fim de que quaisquer que fossem os diálogos esses, seriam literalmente enriquecidos com o volume cultural e literário que ambos – Borges e Casares - possuem. Felizes aqueles que ainda conseguem ouvi-los pelas páginas imortais de suas obras.
Em tempo: para ler a matéria citada, da prof. doutora Socorro Guterres, siga o link: https://encurtador.com.br/NkTcz
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Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira e editor-sênior da Plataforma Nacional do Facetubes.