Nota do editor: É com imenso prazer que ao abrir a mensagem da nossa correspondente e colunista do Facetubes, Dra. Flora Guilhonm, do Reino Unido, deparo-me com uma crônica muito especial falando de “Liberdade Completa”, com base em uma das frases que se encontra em meu livro “Guia do Extraordinário Poético, no Twitter”, meu primeiro livro nesse gênero. No fundo e à partir dessa frase, ela proporciona ao leitor uma riqueza de cultura e detalhes que só merece, especialmente de minha parte, muitos aplausos. O texto é primoroso. (Profundamente agradecido). Mhario Lincoln.
*****
A Fragilidade da Liberdade é um Paradoxo Humano?
Por Dra. Flora Guilhonm, Reino Unido/Copydesk e tradução livre: Mhario Lincoln.
“A liberdade voa, mas é paradoxalmente frágil.” — Mhario Lincoln
Ao navegar pela Instagram do Mhario Lincoln, li essa frase acima que chamou bastante atenção. Tive que traduzir duas vezes, mas acabei entendendo. Então, decidi escrever minha colaboração desde sábado sobre isso, ou seja, a ideia de que a liberdade paira sobre nós como um pássaro leve, mas ao mesmo tempo carrega uma fragilidade interior, despertando reflexões profundas acerca do que compreendemos por “ser livre”. Ao longo do século XX, filósofos como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Hannah Arendt, assim como poetas renomados — a exemplo de Fernando Pessoa —, debruçaram-se sobre a condição humana e seus limites. A aparente infinitude das escolhas, quando não sustentada por uma responsabilidade ética e coletiva, pode suscitar abusos históricos lamentáveis, comprovando o quanto é delicada essa condição de liberdade total.
A Visão dos Pensadores do Século XX
Jean-Paul Sartre em O Existencialismo é um Humanismo, cunhou a célebre máxima: “O homem está condenado a ser livre.” A princípio, essa declaração sugere uma liberdade absoluta: somos obrigadas a escolher, a todo instante, a forma como agimos no mundo. Entretanto, condenar-se à liberdade implica reconhecer que essas escolhas têm consequências que extrapolam o âmbito individual. A responsabilidade se revela tão inexorável quanto a própria liberdade, tornando-a uma espécie de fardo.
Já Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo, afirma que a condição feminina também reflete a complexidade de ser livre. A filósofa enfatiza que a liberdade não é apenas um direito formal, mas uma prática diária, construída em conjunto. “Se a mulher é capaz de transcender a si mesma, é porque seu caráter humano a leva a recusar a imobilidade do ser e a transformar-se por meio de atos livres”, ensina. Nesse sentido, Beauvoir chama atenção para a responsabilidade compartilhada:
"(...) sermos livres não significa simplesmente fazermos o que desejamos, mas compreender que nossas ações estão ancoradas em tramas sociais que podem restringir ou potencializar essa liberdade". (Beauvoir)
Hannah Arendt por sua vez, foi uma das grandes vozes do século XX a discutir a liberdade política e a ascensão do totalitarismo em obras como Origens do Totalitarismo. Para ela, "a liberdade não se limita à vontade individual — ela se manifesta plenamente na ação conjunta, no espaço público, e depende de instituições que protejam o pluralismo e o debate". Quando essas salvaguardas falham, surge o risco do autoritarismo, demonstrando a extrema vulnerabilidade da liberdade diante de poderes coercitivos.
A Poesia como Expressão do Paradoxo
A arte poética frequentemente sintetiza, em poucas palavras, o que a filosofia desenvolve em longas reflexões. Fernando Pessoa escreveu em seu poema “Liberdade”:
“Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!”
Se por um lado essa estrofe transmite a sensação gostosa do desprendimento, por outro revela o paradoxo: até mesmo o “não fazer” algo, na esfera pessoal, tem reverberações na nossa vida e na dos outros. A liberdade poética, tão bela, pode se tornar frágil quando desconectada da vida em sociedade, onde nossas escolhas e omissões também constroem realidades.
História e Abuso da Liberdade
Um dos exemplos históricos mais contundentes do abuso de um suposto “direito” à liberdade individual (ou poder pessoal) é o regime nazista liderado por Adolf Hitler. Conforme detalhado pelo historiador Ian Kershaw, o líder alemão explorou o descontentamento popular e a crise econômica para legitimar um poder total e centralizado, promovendo perseguições, guerras e genocídios. Nesse contexto, a liberdade aparente de Hitler — de impor suas ideologias e perseguir seus inimigos — não foi apenas uma falha de instituições políticas, mas uma distorção completa do princípio de responsabilidade coletiva. A ascensão do nazismo mostra que, sem limites e freios democráticos, a “liberdade” de um indivíduo (ou de um pequeno grupo) pode se voltar contra a própria humanidade, destruindo, assim, a verdadeira essência do ser livre.
Volto à reflexão de Hannah Arendt sobre o totalitarismo para demonstrar como a falta de debate e pluralidade pode desmontar estruturas que garantem a liberdade coletiva. Quando a vontade de um único indivíduo ou de uma ideologia se impõe acima de todas as outras, assiste-se ao colapso dos valores democráticos. Nessa conjuntura, a liberdade, tão sonhada e prezada, se esvai diante do terror e da opressão institucionalizada.
Conclusões
A frase de Mhario Lincoln — “A liberdade voa, mas é paradoxalmente frágil” — me convidou a escrever este meu texto de sábado para abraçar a responsabilidade embutida na condição de sermos livres e reconhecer a minha própria humanidade com relação ao convívio e à necessidade de limites éticos e democráticos dentro de um grupo, de uma comunidade ou de uma sociedade em que estou embutida. Assim, eu acredito que a verdadeira liberdade exige constante vigilância, pois, tal como as asas de um pássaro que podem partir-se ao menor golpe, ela pode sucumbir se não encontrar o equilíbrio entre a autonomia individual e o compromisso com o bem comum.
*************
Referências Principais
ARENDT, H. The Origins of Totalitarianism. 1951.
BEAUVOIR, S. de. Le Deuxième Sexe. Paris: Gallimard, 1949
KERSHAW, I. Hitler: 1889–1936: Hubris. New York: W.W. Norton & Company, 1998.
PESSOA, F. Cancioneiro. Várias edições.
SARTRE, J.-P. L’Existentialisme est un Humanisme. Paris: Nagel, 1946.
*********
Esta matéria recebeu o selo "Excellence Verified" , reconhecendo Excelência, Validando Confiança, pelos seguintes Critérios:
Segurança: Conformidade com padrões internacionais de proteção de dados.
Inovação: Uso de tecnologias de ponta e atualização contínua.
Credibilidade: Avaliação positiva dos usuários e parcerias reconhecidas.
Impacto Global: Presença e relevância em múltiplos mercados internacionais.