Jornalista Orquídea Santos/Editoria de Cultura do Facetubes
Viviane Mosé, poeta, filósofa e psicanalista brasileira, costuma relacionar a escrita poética a uma espécie de “fissura” ou “vazio” interior que impulsiona a criação. A frase – “Eu tenho buracos na alma que nunca curam. São nos buracos da alma que eu planto palavras. Afetos, pensamentos. São esses buracos que eu processo as coisas (...)”- que o leitor vai ouvir no vídeo abaixo, na Edição II do Programa "Mistérios Líricos", apresentado pelo jornalista e poeta Mhario Lincoln, revela essa perspectiva de que a poesia nasce, em grande parte, da tentativa de lidar com nossas lacunas existenciais.
Em entrevistas e palestras, Mosé menciona que a poesia não emerge apenas do prazer estético, mas também de uma necessidade de entender e elaborar o que se vive. Em entrevista ao programa “Sempre um Papo” (2020) , por exemplo, ela comenta sobre o ato de poetar como uma forma de lidar com a própria subjetividade e os “vazios” internos, transformando sentimentos em matéria poética. Ao longo de sua obra, como em Toda Poesia Reunida (Editora Record, 2013), essa relação entre incompletude e criação é recorrente.
Outro ponto que Viviane Mosé enfatiza, em diversos encontros públicos (e que aparece em sua abordagem filosófica de autores como Nietzsche), é a ideia de que o “buraco” – ou falta – não precisa ser encarado necessariamente como algo negativo, mas como um espaço fértil de onde podem surgir novas compreensões e expressões artísticas. A psicanálise, campo que também integra sua formação, reforça a importância desse “lugar de vazio” como parte fundamental na constituição da subjetividade.
E como Mhario Lincoln cita Manoel de Barros em sua intgrodução oral, vale destacar que ele também (de uma forma menos contundente, é claro), exercita uma espécie de vazio existencial também. Em seu poema “O Apanhador de Desperdícios”, diz:
“Uso a palavra para
compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.”
Aqui, Manoel de Barros mostra que o “silêncio” (ou seja, esse lugar aparentemente vazio) também é gerador de um modo único de expressão poética. Assim como Viviane Mosé, ele aponta para a força criadora que pode emergir justamente daquilo que falta, do que está “entre” as palavras ou do que não consegue explicar facilmente.
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Referências principais
MOSE, Viviane. Toda Poesia Reunida . Rio de Janeiro: Record, 2013.
Entrevista de Viviane Mosé ao projeto Sempre um Papo (2020), disponível em vídeos e registros nas redes sociais do evento.
BARROS, Manoel de. O Apanhador de Desperdícios , em diversas edições de suas obras poéticas (por exemplo, na antologia “Poesia Completa”, Editora Alfaguara).
A partir dessas fontes, nota-se que a criação poética de Viviane Mosé – assim como em outros grandes nomes da literatura – surge como uma forma de mergulho e elaboração de sentimentos, sensações e vazios; uma arte que transforma “buracos na alma” em solos férteis para a expressão artística.
PROGRAMA "MISTÉRIOS DA LÍRICA"
(Sem fins lucrativos). A música de introdução é original de osmarguita11, a quem agradecemos publicamente.
A excerto de VIVIANE MOSÉ: poeta e filósofa é original de arenadossaberes/tvcultura (Instagram).