Meus Carnavais em São Luís no final dos anos sessenta e início dos setenta são fáceis de lembrar e difíceis de contar.
Eu não pertencia a nenhuma família estabelecida em São Luís, pois isso contava naqueles anos em que o bom mesmo eram os bailes, as festas, as folias vividas entre os muros dos clubes sociais: Jaguarema, Cassino Maranhense e Lítero Recreativo Português. A entrada era permitida para sócios com carteirinha e tudo. Só a elite, a nata, a fina flor do café society ludovicense.
Um degrau abaixo apareceram depois os bailes do Clube dos Tenentes e Sargentos do Maranhão… Havia as vesperais do Cine Eden, pra gandaia mesmo, e de noite eu curtia mais os bailes dos fofões, o Bigorrilho no Caminho da Boiada era très chic.
Sujeitinho metido a besta, estudante sem mundos e fundos residindo na Umes, na Rua do Passeio, a casa do estudante que abrigava os jovens vindo do interior, eu nunca fui cara de me contentar com as migalhas caídas das mesas dos granfinos. Não que quisesse ser um deles. Mas, poxa, me achava digno de estar no meio deles. Uma espécie de Truman Capote adolescente e caboclo, com as mesmas loucuras, mas sem os trejeitos.
E passei a frequentar as vesperais do Lítero Recreativo, nem lembro ao certo o endereço, sei que era na avenida pro Anil. Era uma turma boa. Todos durango kid e sem carteirinha de sócio. Mil malabarismos pra entrar e nada. Os porteiros ali firmes barrando tudo e todos. E a gente ansioso ali fora, doidos pra entrar e chegar junto das garotas, as mais belas, as mais cheirosas, as mais desejadas do nosso imaginário. E sempre conseguia entrar. Aparecia um conhecido, sócio, que nos punha pra dentro. Outras vezes a gente se esgueirava na lateral de um carro que ia entrando, tipo cowboy se esgueirando no cavalo para livrar-se dos tiros dos bandidos ou das flechadas dos índios sioux, ou apaches ou comanches… no nosso caso livrarmo-nos dos olhares e mãos dos porteiros e seguranças. Aí, lá dentro, aquilo pra nós era o céu, igual ao Senado, conforme confidenciou o grande Darcy Ribeiro numa histórica entrevista concedida ao Pasquim, a propósito das mordomias distribuídas naquela casa legislativa: “O Senado é céu”, disse o mestre Darcy. Pois no salão do Lítero não nos faltavam garotas e bebidas pagas por amigos, conhecidos e até estranhos. Era uma festa no céu, reafirmo.
De noite eu gostava mesmo era do Bigorrilho. De fofão e máscara ninguém era de ninguém, nem se sabia quem era quem. No meu entusiasmo juvenil, sem querer apanhar uma coroa passada do ponto, tinha a manha de subir os dedos por entre as máscaras pelas linhas do pescoço. Dava pra sentir na sensibilidade e sutileza do tato se era uma pele lisinha ou se tinha mais pregas do que… deixa pra lá. E mais de uma vez dei sorte. Uma dessas tais damas de fino trato me requisitou para prestar-lhe uns serviços pra lá de carnavalescos.
Doutra feita passei a noite andando na companhia de um bloco de sujos, pra lá e pra cá, Ponta d’Areia, retornando pela subida da Rua do Colégio Santa Tereza e quase defronte ao Colégio, num sobrado de dois andares, o zelador se entusiasmou com nossa presença. Ele estava sozinho, os donos do sobrado tinham ido viajar, e disse que a gente podia entrar. Mirava ele a nossa bebida ou alguma garota da nossa turma. Lá dentro, sem nada pra ele, salvo uns goles de cana, pois cada um de nós estava com uma das garotas, e quando nos encaminhamos para outros cômodos da casa, o sujeito se aborreceu e disse que ou a gente se mandava ou chamava a polícia…
Com tantos acontecimentos prosaicos em que me metia, pouco ligava para as polêmicas, em torno do Carnaval, que aconteciam nos principais jornais e rádios anualmente. Sobre as regras e normas da administração municipal, até a proibição por aquele prefeito malucão, o Cafeteira, dos bailes de máscaras, a abolição de alguns costumes que tornavam o nosso carnaval tão genuíno e autêntico, para seguir o rito e as normas que a Globo e as agremiações cariocas foram introduzindo no folguedo de Momo. Pra mim, até hoje, Carnaval de verdade foram as vesperais do Lítero e as noites do Bigorrilho…