*Olinto Simões
(Olinto Simões faleceu dia 1o de abril de 2021)
Não consigo dormir diante de duas coisas. Uma, o pedido de Mhario Lincoln para escrever este texto e entender a sentença escrachada de Oscar Wilde, "O prazer é o único propósito. A felicidade verdadeira? Ela não existe.". Para escrever isto, tive que fazer uma reflexão densa sobre os alicerces que sustentam a busca pelo gozo efêmero e a compreensão da felicidade como conceito, por vezes, inalcançável.
Pensei em hedonismo, ou melhor, na frivolidade hedonista, onde é visivelmente disfarçada a angústia de quem anseia por uma completude que jamais se concretiza. E isso leva fatalmente a ideia da ironia mordaz do sentimento humano, em vozes que, tanto na filosofia quanto na poesia e na psiquiatria avistaram a aparente vacuidade deste mundo de deleites fugazes.
Nessa altura, tenho que citar Arthur Schopenhauer, que eu alcunhei como o filósofo do pessimismo, por identificar o sofrimento como uma espécie de traço fundamental da existência. Em suas reflexões, chega a comparar a procura pelo prazer a “um movimento contínuo e insaciável do querer, que raramente se satisfaz de modo duradouro”.
Para ele, a felicidade pura, a que Wilde chama de “verdadeira”, seria uma miragem: "ao nos aproximarmos de qualquer fonte de satisfação, logo desaparece o fulgor inicial, e novamente se instala a sede insaciável por algo além".
Num tom menos sombrio, porém igualmente realista, Sigmund Freud, abordou o “princípio do prazer” como força motriz do psiquismo humano, mas advertiu sobre os limites que a realidade impõe a tal impulso.
No campo poético, encontramos ecos do mesmo desencanto. Fernando Pessoa, em seus heterônimos, flerta com a angústia de existir, ainda que sob perspectivas distintas. Álvaro de Campos, de alma modernista e inquieta, exprime, em versos intensos, a sensação de que a vida, com suas inúmeras experiências sensoriais, não basta para aplacar a fome interna do ser:
"Todas as cartas de amor são
ridículas.
Não foram cartas de amor se não fossem
ridículas."
Nesta toada (usando o termo da terra do maranhense Mhario Lincoln), Miguel de Cervantes, em sua sábia e bem-humorada pena, fez Dom Quixote perseguir moinhos de vento, espécie de metáfora para as ilusões que, na ânsia de prazer ou de realização, nos empurram para batalhas vãs. Mas será que isso era realmente coisa de doido?
De um ponto de vista psiquiátrico, é relevante notar como a insistência em saciar apenas os apetites imediatos podem revelar, ou mesmo desencadear, estados patológicos. Aliás, um médico amigo meu do Rio de Janeiro, que veio a Curitiba esses dias, participar de um Congresso, ao se encontrar comigo, me disse sobre essa ‘tal de felicidade’, bem à propósito: "o excesso de dopamina gerado pela busca constante de recompensas instantâneas — na modernidade, muitas vezes associadas às redes sociais, ao consumo desenfreado e à pressa por novidade — tende a afogar o indivíduo num ritmo alucinante, onde cada conquista ou gozo se esvanece depressiva, exigindo nova investida".
Além disso, no cerne filosófico, há uma oposição recorrente entre as vozes que enaltecem a vivência do prazer, como o hedonismo clássico dos seguidores de Epicuro — que, na verdade, ensinavam um prazer moderado e reflexivo — e aqueles que observam a vida pela lente de uma sobriedade estoica. O estoicismo, representado por Sêneca e Marco Aurélio, sustentava que a verdadeira paz interior nascia do controle das paixões e da busca pela virtude em vez de se limitar ao efêmero deleite sensorial.
Mesmo Mhario Lincoln me envolvendo nessa discussão (já são mais de 3 horas da manhã), posso concluir (finalmente), em meio a esse emaranhado de argumentos e nuances, nada mais, nada menos que a grandeza e a precariedade do desejo humano. Ou que a famigerada ânsia por prazer, aponta para uma sede sincera de contentamento, mas, como afirmou Wilde, a “felicidade verdadeira”, entendida como algo estável e indelével, permanece — para muitos pensadores — fora de alcance, inclusive para mim que não gozo com a glória de um prazer supremo. Muito menos entendo uma felicidade perfeita.
O que acontece comigo e com outras inúmeras pessoas é, sim, a arte de erguer-se e persistir, valendo-se da sensibilidade, da razão e da imaginação para encontrar beleza e significado mesmo onde Wilde vislumbrou apenas o turbilhão fugaz do gozo.
Olinto Simões, da Academia Poética Brasileira.
Curitiba, Madrugada de 10.01.2021/3.17h.