Com o governo Trump cortando verbas para projetos de direitos digitais e as big techs dos EUA revendo parcerias fora do eixo anglófono, organizações que dependiam dessa engrenagem perderam repentinamente apoio. O resultado imediato é visível nas redes: sistemas de moderação treinados quase só com dados em inglês deixam passar discurso de ódio — sobretudo contra mulheres — na Índia, na África do Sul e no Brasil. Essa falha crônica fez muitos governos e empresas perceberem que apostar apenas em modelos de IA “made in Silicon Valley” é um risco estratégico.
Na Europa, a palavra de ordem virou “soberania digital”. A economista e tecnóloga italiana Francesca Bria defende a criação do EuroStack, um ecossistema 100 % europeu de chips, nuvem e IA: “O EuroStack é nosso moonshot — a evolução digital do euro. Se quisermos inovar nos nossos termos, ele não é opcional” .(euro-stack.info).
Bruxelas já sinaliza ações concretas: além do pacote de regras da AI Act, financiou a constelação de satélites IRIS² para garantir infraestrutura crítica sem depender de Starlink ou Amazon.
Fora do Velho Continente, a corrida é parecida. Start‑ups como a indiana Shhor AI e a sul‑africana Lelapa treinam modelos compactos em dialetos locais para capturar gírias, “code‑switching” e expressões ressignificadas que os LLMs norte‑americanos confundem ou censuram. A queda de preço para treinar redes menores, aliada a bibliotecas open‑source cada vez mais maduras, tornou viável essa onda de IAs regionais — uma agenda que, até ontem, parecia quixotesca.
Nem todo mundo aplaude. Para Sam Altman, da OpenAI, um excesso de muros regulatórios pode isolar o bloco europeu da vanguarda mundial: “Cumpriremos as regras, mas a Europa precisa abraçar a IA para não ficar para trás”. (delano.lu).
Outros críticos temem que a multiplicação de modelos nacionais fragmente padrões e dificulte a interoperabilidade global — o “efeito torre de Babel” da inteligência artificial.
No curto prazo, porém, o movimento rumo a IAs soberanas parece irreversível. Entre marcos regulatórios ambiciosos, startups regionais famintas por dados locais e a percepção de que moderação “one‑size‑fits‑all” não protege todo mundo, o panorama de 2025 aponta para um ecossistema multipolar. A pergunta já não é se novos polos de IA vão surgir, mas quem chegará primeiro com tecnologia útil, inclusiva e — acima de tudo — confiável.