Por: Mhario Lincoln, editor-sênior da Plataforma Nacional do Facetubes
A cada peça, Marilene Utrabo Rodrigues prova que a argila é um organismo vivo que respira dentro e fora do forno. Formada no programa de cerâmica do Boca Raton Museum Art School, ambiente que incentiva investigações de alta temperatura e design de papel-clay, ela absorveu a disciplina de queimar acima do cone 6 sem sacrificar a intuição que transforma técnica em poética. Paralelamente, integrou-se ao Ceramic Guild da Florida Atlantic University, cujo salão anual exibe obras de alunos e instrutores e dá visibilidade comercial imediata aos trabalhos mais ousados.
O compromisso com processos longos — modelagem, secagem natural de três semanas, biscoito, esmaltação multietapa e oxidação final a 1 200 °C — imprime densidade temporal às formas. A taça orgânica que ilustra esta matéria, concluída após seis semanas de maturação, exibe bordas rasgadas que lembram pétalas carbonizadas. Esmaltes vermelho sangue-de-boi e engobes verdes migram pelo relevo, solidificando-se em átomos de bronze onde o calor lambeu o silicato com mais fúria. O timbre sonoro — cristalino ao ser percutido — confirma vitrificação plena, prova de que o quartzo alcançou sua reorganização molecular ideal.
Essa estratégia de deixar o forno atuar como coautor aproxima-a da britânica Kate Malone, MBE, mestre em glazes cristalinos que abraçam o acaso para produzir superfícies botânicas de textura vulcânica. Tal como Malone, Mari manipula camadas de sílica, feldspato e óxidos de cobre para orquestrar microcristais que só emergem no resfriamento lento, conferindo variações tonais imprevisíveis e, por isso mesmo, irrepetíveis.
A imprensa daquela região dos EUA notou cedo essa alquimia. O jornal Achei USA celebrou sua “fusão de cores que toca a alma”, destacando a capacidade de a artista transitar entre pintura e cerâmica em mostras itinerantes por Palm Beach County. Vendas nas exposições de primavera viabilizaram um ateliê próprio equipado com forno de câmara larga, onde ela desacelera o resfriamento para lapidar cristais em suspenso. Mesmo após regressar ao Brasil em 2024, mantém encomendas regulares de colecionadores da Flórida através de leilões silenciosos e marketplaces de arte.
Agora, como colunista da Plataforma Nacional do Facetubes, Mari Utrabo Rodrigues promete compartilhar receitas, análises de impressão 3D em porcelana e bastidores de feiras como NCECA e Ceramic Art London. Generosa nos workshops, revela fórmulas e celebra descobertas, cultivando a ideia de que a cerâmica é uma arte de comunidade antes de ser mercado.
Foto: Uma das peças disputadíssimas em leilões de casas especializadas, fora do Brasil.
Em um mundo que busca peças rápidas e replicáveis, Mari defende o ritmo da terra, a paciência do fogo: acima de tudo, o valor estético. Quando a abertura do forno mostra veladuras metálicas que ninguém previu, ela sorri e apenas diz: “Foi o calor quem pintou”. É assim que a argila ganha voz — e ecoa, vitrificada, no corpo e na memória de quem a contempla.
Mhario Lincoln, editor-sênior da Plataforma Nacional do Facetubes e presidente da Academia Poética Brasileira.