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A antológica entrevista de Ubiratan Teixeira com Bernardo Coelho de Almeida

A entrevista está publicada às últimas páginas do livro de Bernardo, “Éramos Felizes e Não sabíamos”, 2ª edição.

12/11/2024 às 03h26 Atualizada em 12/11/2024 às 12h04
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln/Ubiratan Teixeira/Bernardo Coelho de Almeida
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Ubiratan & Bernardo
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Ubiratan & Bernardo

Ontem em Alcântara, para um grupo de pessoas privilegiadas, que foram participar da inauguração da Pousada do Mordomo Régio, da Academia Maranhense de Letras, Bernardo Coelho de Almeida autografou seu livro Éramos Felizes e Não Sabíamos, memória dos anos 50 de São Luís. O poeta Nauro Machado, que leu o livro ainda no original, admite que até então nenhum escritor havia feito um levantamento tão preciso e precioso da vida social e cultural de São Luís, como Bernardo, nestas suas memórias.

Poeta, jornalista e prosador, Bernardo Almeida começou sua carreira literária com o livro de poesias Luz! Mais Luz!, publicado pela Editora Mantiqueira de Belo Horizonte, em 1954. Seguiram-se A Gênese do Azul (poesia-1955), Galeria (crônicas-1961), A Última Promessa (romance-1968), O Bequimão (romance-1973).

 

Membro da Academia Maranhense de Letras, e ligado aos melhores momentos da imprensa maranhense, BCA foi presidente da extinta Fundação Cultural do Maranhão (hoje Secretaria de Cultura), participou como um dos fundadores da revista "Legenda", de momento marcante da vida cultural do Estado, e em sua passagem pelo Peru, como adido cultural, atuou como professor do Centro de Estudos Brasileiros, em Lima, de onde trouxe muito mais do que deixou, segundo seus depoimentos. Aproveitando o lançamento de seu livro de memórias, conversamos com o escritor, para a entrevista que segue.

 

Bernardo Coelho de Almeida é um dos intelectuais maranhenses de vida integral mais intensa e campo de atividades mais diversificado. Sacerdote pela metade, viveu no Rio de Janeiro, em Fortaleza, Parnaíba e Peru. Deputado Estadual por três legislaturas, jornalista em tempo integral, admite que se tivesse sido mais inteligente teria usufruído os melhores momentos de sua vida intelectual durante o período em que esteve como adido cultural junto à Embaixada do Brasil no Peru: "Aquela é uma civilização deslumbrante, uma cultura extremamente preciosa, um repositório de informações inesgotáveis, que eu não soube aproveitar nas devidas proporções", confessa. - Tu te sentes de alguma forma frustrado na vida? -perguntei-lhe. "Não. Nem por isso respondeu-me. Fiz tudo o que me deu na telha, tenho minhas convicções e o meu modo peculiar de vida que muito me satisfaz, e hoje sou um homem rico, rico de experiências e ideias. Só lamento não ter me dedicado mais à literatura. Descuidei-me, e agora preciso ter muito cuidado no que produzo, pois não tenho mais idade para me ocupar com trivialidades: sou um homem sério" - concluiu sorrindo e com um ar matreiro. (Ubiratan Teixeira).

A ANTOLÓGICA ENTREVISTA DE UBIRATAN TEIXEIRA COM BERNADOR ALMEIDA

UT-De Luz! Mais Luz! e A Gênese do Azul, a Bequimão, o que mudou no intelectual Bernardo Coelho de Almeida?

BCA- 0 "mundo besta", a que se refere o poeta Lago Burnett, coloca muitas pedras no caminho do intelectual para desviá-lo do seu itinerário de Pasárgada. Levado pela tentação de uma estrada amena, ele pode sacrificar nossos melhores projetos. Isso aconteceu comigo, deploravelmente. Hoje, ainda bem, resta-me o conforto de haver conquistado uma visão melhor do mundo e a consciência de que devo atirar-me de corpo e alma na busca do tempo perdido.

 

UT-O Bequimão é do começo dos anos 70. Por pouco esta coletânea de crônicas/memórias não circula vinte anos depois. Preguiça ou falta de tempo para produzir literatura?

BCA - Falta de tempo e um pouco de preguiça. Deixei-me envolver demais por interesses absorventes no rádio, na política e em incursões frustradas como empresário. Somente o Augusto Frederico Schimidt andou se aventurando no mundo dos negócios sem deixar de ser poeta. De qualquer forma, se eu não tivesse sido tão injusto comigo, haveria um pouco de tempo para as musas. Quando não se possui erudição, resta-nos a boa companhia de intelectuais parceiros, para não se perder o élan. E eu me distanciei desse mundo de minha fascinante "geração perdida". 

 

UT-Conta um pouco da gênese de O Bequimão.

BCA - Senti-me empolgado por um apelo de João Lisboa. Como gerente da Tipografia São José, eu recebia a visita, quase diária, de Arnaldo Ferreira, meticuloso na revisão do Boletim da Associação Comercial, ali impresso. Falei-lhe de minha pretensão. Ele me abriu as portas de sua biblioteca para minhas pesquisas. Confiando em mim, permitiu-me levar para casa alguns livros raros: Betendorf, Berredo e outros, os quais, com sua morte, me foram presenteados por seu filho Murilo Ferreira. Aqueles autores, com exceção de nosso maior historiador, anematizavam nosso herói. Se um século depois, em Vila Rica, a casa de Tiradentes foi demolida, e salgado o terreno onde ela se erguia, avaliem naqueles tempos de um colonialismo mais repressivo. Tomei as dores de Bequimão e seus companheiros. Perdoados os pecados do texto, creio que fui feliz na reconstituição romanceada do notável episódio histórico, digno de maior reverência nacional.

 

UT-Quais os maiores obstáculos que um escritor maranhense enfrenta para escrever a partir de dados com informação?

BCA-Eis uma resposta para ser dada por Mário Meireles, Nascimento Morais Filho, Milson Coutinho, Jomar Moraes, Eloy Coelho Neto e outros eméritos pesquisadores de nossa história. Nesse particular nossas carências são inimagináveis. Creio que as universidades locais, com subsidios oferecidos pelo poder público, deviam promover a ida de nossos historiadores aos arquivos de Portugal, Espanha, França e Holanda. Após a morte de seu pai, Murilo Ferreira me passou um documento enviado do Tombo, em Lisboa, a Arnaldo Ferreira. Era o traslado da apelação de Manoel Beckman à Corte, quando de seu degredo no Forte do Gurupá. Do contrário eu jamais teria acesso à qualificação do herói e a informações fidedignas sobre suas atividades empresariais, e sua família. 

 

UT-Já participaste de vários grupos de opinião e de decisão, no Maranhão; o que mais enriqueceu o artista e o escritor? O jornalismo, a politica ou a administração pública?

BCA- Talvez a política, seguida da administração pública, quando fui, por apenas 14 meses, presidente da Fundação Cultural do Maranhão. Conhecer a fundo os problemas do povo é uma forma de mergulhar em seus sentimentos, na alma humana, do que resulta uma experiência inestimável convertida para o exercício da literatura. Por outro lado, ao gerir bens culturais, tem-se a dimensão desses valores preciosos e convive-se melhor com seus apaixonados agentes. Mas, se queres saber de uma verdade, eu te digo: ser boêmio (e assim me qualifiquei durante algum tempo) enriqueceu-me bastante a inspiração, por incrível que pareça.

 

UT- Como foi a experiência de adido cultural junto à Embaixada do Brasil no Peru? E que experiência trouxe como professor no Centro de Estudos Brasileiros em Lima? 

BCA- Foi magnífica, tão rica e tão breve que hoje me arrependo de não ter sabido aproveitá-la mais intensamente. O Peru talvez só perca para o México em grandeza histórica no continente americano. Se eu pudesse, iria viver alguns anos, dos que ainda me restam de vida, naquela nação. Ali o espírito humano procura alçar-se às alturas de Macchu Picchu, na Cordilheira dos Andes. Ter sido professor, mesmo sem qualificação e vocação magisterial, no Centro de Estudos Brasileiros em Lima, foi-me uma experiência gratificante, inesquecível. 

 

UT- Que destino tiveram os escritores maranhenses de tua geração?

BCA- Olha, Ubiratan, tu encarnas o escritor de minha geração. O talento de vocês, como potencial, talvez não seja igualado tão cedo. Pena que persistam tantas inibições e frustrações decorrentes das dificuldades do meio e do desencontro existente aqui mesmo entre nós. O malandro carioca, tolhido em seu afã donjuanesco, diante do concorrente burguês a dirigir um automóvel costuma dizer: "Eu quero ver é a pé...". Quanto às nossas limitações, vivemos, quero crer, esse mesmo drama, diante de um Jorge Amado, de um Josué Montello, não achas? 

UT-E hoje, como está a literatura maranhense? 

BCA- Talvez necessite de mais prospecção para a descoberta dos poços latentes e promissores de talentos ainda não revelados. Assim mesmo, sabes disso, separando-se o joio do trigo, temos belos valores, atualmente. Quem não se deixa render diante desse notável Luís Augusto Cassas? 

 

UT- O que falta para a literatura maranhense atingir um nível nacional, como a mineira, a baiana, a goiana e a gaúcha?

BCA- Sei lá, Ubiratan. Tal fenômeno implica em questionamentos que atingem o âmbito da sociologia, da economia. Cabe-nos desvendar as causas desse fenômeno, encontrarmos um diagnóstico. Só sei que por falta de talento não é. Infelizmente a coisa não é fácil de explicar, senão a gente poderia perguntar ao Tamer... 

 

UT- A Academia Maranhense de Letras tem algum peso na vida cultural do Estado?

BCA - Tem, não como deveria. Temos vivido enclausurados, quando muito abertos, formalmente, para não dizer solenemente. Jamais teremos o direito de menosprezar a atuação devotada de Luiz Rego, por exemplo. Mas, é preciso reconhecer que agora, com Jomar Moraes a presidir nosso sodalício (mantenha a expressão), a Academia Maranhense de Letras vai atingir seus objetivos, desde que não lhe faltemos com nosso apoio indispensável. Com raras exceções temos sido relapsos e conformados. Nosso dever é realizarmos o ideal de Platão, reunindo-nos durante mais tempo, em nosso jardim de Academus, e não apenas nessas tardes melancólicas das quintas-feiras. Confesso também meu descaso, minha falta de assiduidade. Tudo depende de nós para que Academia Maranhense de Letras cumpra sua verdadeira missão, conduzida pelo abnegado Jomar Moraes, não crês?

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(Entrevista reproduzida às últimas página do livro "Éramos Felizes e Não Sabíamos", 2ª edição - ed. Revista Legenda Editora - 1992). 

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José Neres Há 2 anos São LuisMuito importante esse resgate desses dois grandes nomes de nossas letras. Fazem muita falta à nossa cultura. Dois escritores crítico e talentosos.
Wellington Reis Há 2 anos São Luís Ma"A Difusora Opina": Dois Gênios das Letras:BCA & UT.
Antonio Guimarães de Oliveira Há 2 anos São LuísTive o prazer de conviver com Bernardo Coelho de Almeida, em jornais, e círculo acadêmico. Homem exucado, semore com um cigarro marca Calton, entre os dedos depois foi meu vizinho, até seu falecimento... Classifico-o, como entre os dez maiores intelectuais Maranhense nos finais do século XX. Muito boa recordação... Tenho seu livro O Bequimão, autografado... Era raro Ele conceder autógrafo em livros...
Rubén Cardonna, analista pedagógico de Literatura & Artes.Há 2 anos Cidade de São Paulo/USpMhario Lincoln. Mhario. Só o conheço por estas páginas. Mas o suficiente para afirmar que você é fascinante. Todo esse seu trabalho de divulgar as coisas boas do Maranhão já deveriam lhe render algum prêmio. Mas o meu, você já o tem, pela dedicação sacerdotal e pelo trabalho de altíssimo nível intelectual seu e de sua plataforma Facetubes, difícil de encontrar em toda a internet conhecida. Meus mais sinceros parabéns (antológicos).
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