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Ananias Martins: a incrível história cronológica dos carnavais de S.Luís e suas modificações  (Parte 03)

Esta obra NÃO tem fins lucrativos, NEM promocionais. (Todos os créditos concedidos).

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Ananias Martins
04/02/2025 às 09h23 Atualizada em 04/02/2025 às 10h36
 Ananias Martins: a incrível história cronológica dos carnavais de S.Luís e suas modificações  (Parte 03)
FOFÕES. Arquivo: Uimar Junior

Expostas essas primeiras memórias, podemos simplificar generalizando e dividir o carnaval de São Luís em três fases fundamentais: o "Carnaval Colonial"; o "Carnaval dos Cordões" e o "Carnaval do Samba", tendo em vista o modelo que se tornou em cada época centro das referências carnavalescas, não significando, entretanto, a existência de um limite bem definido entre essas fases. 

Historicamente, três grandes contextos carnavalescos 
Há sobrevivência de uma fase em outra, manifestações carnavalescas que não se modificaram essencialmente, mutações de outras, e brincadeiras que nem se enquadram nessa tipologia. 
Observamos que, ao trabalharmos nesta segunda edição, já é possível apontarmos o nascimento da quarta fase carnavalesca da cidade, todavia de prematura definição quanto à tendência, assunto a ser abordado no capítulo final do livro. 
O que chamamos de "carnaval do samba" nem sempre teve a forma que o consagrou nos anos 70. De princípio de 1930, quando começa a se manifestar até tomar a forma de desfiles, compartilhava a rua com as brincadeiras de cordões, nas denominadas "turmas de samba". 
Hermenegildo Tibúcio da Silva (Tabaco) lembrava que, a princípio, não tinha concurso de samba: "Todo mundo saía por que gostava, não tinha ajuda". 

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*LOPES, António Nossa cidade. O Imparcial, São Luis, 7 de out. de 1944. 
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Tabaco* também falava em nome de uma geração que guardava saudades de uma época: 

"O carnaval mudou por causa do modernismo. Veja hoje essa bateria de náilon. Antigamente, não. Nós tocávamos era os nossos tambores, que nós mesmos fazíamos. Uma chapazinha de couro de cabra, batendo com a mão. Hoje, não, é só náilon com baqueta, ninguém quer mais encostar a mão no tambor pra bater... no meu tempo, terminava o carnaval e estava todo mundo satisfeito". 

Luís de França** - carnavalesco de turmas de samba - fez sua própria crítica às mudanças que ajudara a promover, lembrando que, até os anos 40, ainda podia ver-se na cidade o que denominou de "brincadeiras fidalgas", referindo-se às variações de manifestações coloniais e imperiais que apareciam na primeira metade do século XX, como fandango, caninha ver de e até congos: 

"... Madre Deus, o Desterro, o próprio Caju, João Paulo (**)", tudo fazia brincadeiras fidalga. Depois que veio o bloco, já diferente, né? Deixaram brincadeira fidalga e veio os blocos, todo mundo vestido naquelas fantasias igual, ensaiavam, só música carioca, mais marchas e ensaiavam... E todo mundo aprendia, tinha orquestrinha, pela rua. Essa não entrava em sala, pela rua". 
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SILVA, Hermenelde Tibúcio da. (Tabaco)* O entrudo é hoje uma desmoralização. Entrevista concedida a Francisco Bahia. In Cadernos de Cultura, O Maranhão de outros carnavais. São Luís. DAC/UFMA. 1980, suplemento dos jornais Diario do Povo e O Jonal. 

(**)-Logradouros públicos da cidade. 
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Notamos, então, que as gerações carnavalescas que viram as mudanças passarem por elas sempre se referiam à magia dos brinquedos mais antigos, cujos méritos são indiscutíveis. Entretanto, do mesmo modo, sempre se percebe uma certa alusão à degeneração que representam as novas manifestações.  Não se pode esquecer que Astolfo Marques, ao falar da decadência do carnaval colonial na cidade, criticava duramente a afirmação do Baralho como peça carnavalesca influente entre o povo.   

"De parte do Baralho Medonho, na sua fastidiosa assuada, mais um sirigaitamento do que um ato de merecida audição, e que pretende ser agora, entre nós, a sinfonia do carnaval". 

Hoje lamentamos o seu desaparecimento, por ter sido fruto da originalidade e criatividade dos setores urbanos mais populares de São Luís. Todo processo de aculturação sofre resistência, mesmo aqueles que ocorrem de forma endógena. Assim também o orgulho cultural do ludovicense faz distinção entre o Baralho e a Casinha da Roça, os "Assaltos" e outros folguedos que surgiram de motivações locais, com caráter que se imagina estritamente regional, em relação aos brinquedos que surgiram aparentemente inspirados em manifestações de outras regiões. 
Como o objetivo desse trabalho vai muito além de um debate sobre o certo e o errado em termos de fórmulas carnavalescas, devemos lembrar que o carnaval em si sempre foi uma grande tradição em São Luís, não só pelas manifestações artísticas anuais, mas também pela grande variedade de alternativas que sempre apresentou, algumas delas primordiais, como o tambor de crioula; de longa usança, como a brincadeira dos Fofões, outras recém-incorporadas como o Reggae, que vem ocupando espaços semelhantes aos dos antigos "bailes populares", como se definiam, em contraposição aos clubes elitizados, guardadas as proporções demográficas. Há brincadeiras consagradas da "tradição recente": dos Blocos Tradicionais e Carnavalescos, das Tribos e das Escolas de Samba (filhas dos blocos); ou recentes, inspirados na tradição, a exemplo do Bicho-Terra, e que deslancham junto ao público e até mesmo do uso do trio elétrico, sem, entretanto, ter-se tornado hegemônico. 
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Livro: CARNAVAL DE SÃO LUÍS - Diversidade e Tradição", de Ananias Martins. editora: FUNCMA.
Obs: esta reprodução não tem fins lucrativos, nem publicitários. 


MARANHÃO, Secretaria de Estado da Cultura. Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: Uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. 

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JaimeHá 2 semanas BSB/DFSó podemos aplaudir, por um trabalho de pesquisa magnífico. Só enriquece a cultura maranhense. Aplausos!!!
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