COM O PÉ NA ESTRADA
Raimundo Fontenele(*)
Final dos anos sessenta, com o fechamento político resultante da briga entre militares e militantes de esquerda, uns sendo obrigados a implantar um regime de força, com atos e leis ditatoriais, para impedir que a esquerda assumisse o poder e implantasse uma ditadura comunista, cujos modelos eram Cuba, Rússia e China, eu resolvi optar pela chamada terceira via...
Nem ficar acomodado e nem partir pra militância em organizações que pregavam a luta armada, e naquele momento a terceira via, pra mim, era a Contracultura, movimento da juventude americana que tinha por base cultural e histórica a poesia beatnik, a contestação dos valores burgueses, não à guerra, à família com suas normas e horários rígidos, não à sociedade repressora e careta, como a chamávamos.
Os hippies começaram a aparecer em São Luís, aos bandos, liberdade, amor livre, sim às drogas, e pé na estrada. Durante algum tempo embarquei nessa canoa furada, para descobrir na companhia deles, depois de viajar de carona pelo nordeste brasileiro, que essa tal de terceira via nunca esteve com nada.
A rotina dessa viagem tinha alguma coisa a ver com o filme Sem Destino, estrelado por Peter Fonda e Jack Nicholson, não por causa dos detalhes, mas pela essência do que significa o choque de culturas diversas e até mesmo antagônicas.
Cabelos compridos, barba por fazer, jeans e camiseta, as garotas com roupas coloridas, descontração, chegávamos nas pequenas cidades e a gente ficava sentada num banco ou mesmo no chão da praça, neguinho transando artesanato, pulseiras, missangas, colares, sempre havia uma flauta e um violão...
Logo a gente estava cercado de curiosos, principalmente garotas que saíam dos colégios e ficavam, a um só tempo, estarrecidas e admiradas, porque não estávamos submetidos a empregos, colégios, regras, normas, horários. A liberdade plena da existência, ali, ao vivo e em cores, diante de seus olhos.
E o nosso lema era “é proibido proibir”, por isso a gente enrolava uns baseados de e fumávamos numa boa, até a chegada da polícia que nos levava para a delegacia, confiscava nosso bagulho e mandava a gente cair fora da cidade.
Porém, depois de dois meses nessa peregrinação por várias cidades nordestinas, decidi voltar pra São Luís, e graças a amizade com o então deputado Luís Rocha, que depois se tornaria Governador do Maranhão, consegui retornar ao meu emprego na Secretaria de Educação.
Por volta de mil novecentos e setenta e dois publiquei meu segundo livro de poesia, cujo título é um plágio descarado do Las Manos del Día, do poeta chileno Pablo Neruda. Meu único trabalho foi traduzir para o português e colocar uma crase no artigo, e meu livro chamou-se então Às Mãos do Dia.
O livro tinha forte influência dos poetas Neruda e Thiago de Mello, apenas no que diz respeito à temática de cunho social, mas, como sempre fiz, procurei conservar a originalidade da fala, talvez a minha maior virtude poética: nunca me cansar de procurar novos caminhos, nunca achar que a estrada estava percorrida.
Foi impresso e editado na Gráfica e Editora São José, de propriedade da Arquidiocese de São Luís, onde conheci o amigo e escritor Wilson Martins, que lá trabalhava. O livro teve o prefácio do amigo escritor Jomar Moraes, e seu lançamento foi realmente uma noite de autógrafos movimentada, realizada na Biblioteca Pública Benedito Leite e que descrevo mais à frente neste livro. Um poema do livro:
LIBERDADE
Já era tarde quando o povo via
a liberdade nascer por trás de um muro
como se fosse coisa enclausurada
ou objeto de impossível posse
pra suas mãos chagadas de miséria
Já era noite quando o povo via
se erguer no céu uma estrela guia
de força igual à força dos escravos
e de luz forte como a luz dia
E o povo deu-se as mãos insatisfeito
com a magia do Querer e Posso
gravado a sangue no luto das paredes
pois o povo tudo vê, cala, consente
e paciente espera a sua hora
e hora de povo é hora de sol novo
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(*) Raimundo Fontenele autorizou a reprodução dos capítulos de seu último bestseller "A República dos Apicuns!", no Facetubes.
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