Obs: as duas esposas (cada uma em seu tempo) de meu pai, José Santos: Flor de Lys (na foto com minha irmã Orquídea Santos) e Rosinha Santos, comigo, eram amigas, companheiras e confidentes. Duas heroínas, maduras e conscientes de que a compreensão estava acima de qualquer dúvida. Nós, eu, Orquídea e Marylircia, filhos de José Santos, fomos criados diante dessa realidade maravilhosa.
*Mhario Lincoln
Quando Deus criou Eva, conforme registrado em Gênesis 2:22, "E da costela que o Senhor Deus tomara do homem, formou uma mulher, e a trouxe ao homem", ele não apenas estabeleceu a origem da humanidade, mas também inaugurou o conceito de maternidade. Eva, a "mãe de todos os viventes" como é citada em Gênesis 3:20, tornou-se a personificação da força materna, da resiliência e do amor incondicional, características que transcendem as eras e formam o alicerce do que conhecemos como a essência de uma mãe.
A mãe, nesse contexto cristão, é vista como uma fortaleza: geradora de vida, heroína destemida e defensora do amor em todas as suas manifestações. Essa figura materna, quase mítica, assemelha-se ao ‘super-homem’ dos quadrinhos, (o super-herói originário), defendendo seus filhos contra qualquer adversidade, mas sem a necessidade de capas, filmes ou livros para legitimar sua bravura. As mães operam em um espectro de super-heroísmo cotidiano, enfrentando desafios reais sem qualquer ficção para embelezar seus atos de coragem e dedicação.
Biologicamente, a criação de uma vida é um fenômeno tão extraordinário quanto qualquer saga de super-heróis. O processo inicia com a fecundação, onde um espermatozoide encontra um óvulo, resultando em uma célula única que se dividirá repetidamente, formando um novo ser. Este ato de criação é a explosão de um planeta biológico dentro da mãe, uma alusão à narrativa de Krypton no universo do ‘Superman’, onde a destruição de um mundo dá início a uma nova vida em outro contexto.
Pensadores ao longo da história refletiram sobre o papel vital das mães. Simone de Beauvoir destacou a ambivalência da maternidade, reconhecendo tanto a carga de responsabilidade quanto a profundidade do amor maternal. Ela escreveu sobre a complexidade dessa relação, que oscila entre o sacrifício pessoal e a profunda alegria de nutrir uma vida.
Para Aristóteles, a família começava com a maternidade, que ele via como a essência do vínculo comunitário e social. A mãe era o centro, a primeira educadora, e sua influência moldava não apenas seus filhos, mas a sociedade em seu conjunto.
No mundo moderno, as reflexões de Virginia Woolf sobre a figura materna iluminam outra dimensão: a do reconhecimento da mulher como um ser completo, com aspirações próprias, além de sua identidade como mãe. Woolf defendia que a emancipação das mulheres “incluía reconhecer e valorizar suas múltiplas capacidades, inclusive a maternidade”.
Em meu caso pessoal, minha mãe Flor de Lys, sempre reuniu todas essas definições de super-heroína. Ela foi tanto pai quanto mãe, amigo e conselheira, homem e mulher. Navegou entre o rigor e o amor, entre ser adulta e manter-se jovial. Sua capacidade de voar através dos sonhos, de enfrentar e superar nossas kryptonitas pessoais, revelou uma inabalável determinação em criar e sustentar seus filhos. Do primeiro casamento, eu e Orquídea Santos. Do segundo, Cristina Marão Martins e do terceiro, Dalvinha Lima. (irmãs queridíssimas e dedicadas mães). Mas devo falar de outra irmã querida, do segundo casamento de papai com a outra mãe queridíssima e abençoada que tive paralelamente: Rosinha Santos. Ela nos presenteou Marylírcia Medeiros Santos, a mãe-tia que criou seus dois sobrinhos Mateus e Marquinhos com a mesma dedicação da nossa irmã Socorro que faleceu prematuramente.
Como se vê, não só na minha abençoada família, o papel da mãe transcende os tempos e culturas. Em cada gesto de cuidado e amor, em cada sacrifício e em cada ensinamento, há um eco da criação divina. As mães não apenas dão vida, mas moldam o futuro, influenciando profundamente seus filhos e o mundo em que vivemos. Portanto, ao celebrar a maternidade, celebramos a essência mais pura da humanidade e da criação.
Mas, hás um outro lado da moeda. Como seria enfrentar o ‘Dia das Mães’, sem mãe física? Será uma experiência profundamente dolorosa para muitos? Esta data, embora celebratória, pode reavivar a sensação de perda e desencadear um profundo sentimento de luto. Entretanto, diversas correntes filosóficas e psicoterapêuticas oferecem perspectivas que podem ajudar a lidar com essa dor, aparentemente, claro, porque sei disso. Perdi fisicamente minha mãe em 2011 e desde então tenho estudado como diminuir esse sentimento de luto que ainda me invade a alma. Em minhas pesquisas nos estoicos, um bom exemplo.
Eles ensinam a importância de aceitar aquilo que não podemos mudar, enfatizando a resiliência e o controle sobre as próprias emoções. Marco Aurélio, um dos mais renomados filósofos estoicos, aconselhava que devemos nos concentrar em nossas respostas internas aos eventos externos, “procurando manter a tranquilidade diante das adversidades. O que está feito, feito está”. Essa filosofia sugere que, embora a perda seja dolorosa, podemos escolher como responder a ela, buscando um sentido de paz interior que independe das circunstâncias externas.
Do ponto de vista psicoterapêutico, a terapia do luto pode oferecer suporte significativo. Psicólogos como Elisabeth Kübler-Ross, famosa por seu modelo de cinco estágios do luto, fornecem um framework (marco de referência) para entender as “complexas emoções que acompanham a perda de um ente querido”. Já, no contexto espiritual, o livro "A Morte na Visão do Espiritismo" de Alexandre Caldini Neto oferece uma perspectiva consoladora sobre a morte. Caldini explica que, “(...) de acordo com a visão espírita, a morte não é o fim, mas uma transição para uma nova forma de existência(...)”. Esta crença pode oferecer conforto, especialmente em datas emocionalmente significativas como o “Dia das Mães”, sugerindo que a conexão com entes queridos transcende a barreira física da morte.
Além disso, escritores como C.S. Lewis em seu livro "A Grief Observed" exploram as profundezas do luto pessoal. Lewis descreve seu processo de luto após a perda de sua esposa, revelando como a dor pode, paradoxalmente, ser um caminho para um entendimento mais profundo da vida e das relações humanas.
Neste ‘Dia das Mães’ sem mãe, pode ser útil refletir sobre essas diversas perspectivas. Pode-se encontrar algum consolo na filosofia estoica, na terapia do luto, nas crenças espirituais ou nas experiências compartilhadas por aqueles que também enfrentaram perdas profundas. A jornada do luto é profundamente pessoal, mas não precisa ser solitária. Livros, comunidades de apoio e terapias podem oferecer caminhos para a cura ou, pelo menos, para um entendimento mais profundo da nossa capacidade de enfrentar a ausência.
E eu aprendi isso, na carne!
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*Mhario Lincoln é Presidente da Academia Poética Brasileira.