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"Simplesmente Maria": a Catarse Poética é só para Talentosos e Corajosos

Resenha de Mhario Lincoln da obra "Simplesmente Maria", da poeta brasileira Maria José Lima

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln
04/06/2024 às 11h50 Atualizada em 04/06/2024 às 18h03
"Simplesmente Maria": a Catarse Poética é só para Talentosos e Corajosos

 

*Mhario Lincoln

 

Mais uma vez eu confirmo o que disse, quando escrevi o prefácio de “Simplesmente Maria”, da graciosa e autêntica poeta brasileira Maria José Lima. Eu me referia ao conceito da ‘poesia existencial’, que eu reputo como um gênero lírico de muita coragem ao expor publicamente a mais autêntica expressão da condição humana, na qual Maria José, nesse caso, transforma suas experiências, angústias e lembranças em versos, transcendendo a simples estética literária para alcançar um diálogo profundo e sincero com o leitor.  Assim, ao utilizar a feitura de seus poemas como um meio de extravasar tormentos e saudades, a poeta cria um espaço íntimo de reflexão e vulnerabilidade, tornando a poesia existencial uma das formas mais reais e corajosas de arte.

(Ipisis litteris):

Cicatrizes

Tem lugares pelos quais passei

Que não pretendo retornar

Lugares em que me decepcionei

Pessoas que não sabem respeitar.

Eles discursam sobre amor

Mas são puro ódio e rancor

Maltratam sem nenhum pudor

Nos causando tristeza e dor.

Onde deveria emanar luz

Só presenciei escuridão

Somente tristes lembranças

Que feriram meu coração.

Não respeitam em vida

Máscara permanente de hipocrisia

No túmulo a lágrima fingida

Meu protesto em forma de poesia.

 

Essa expressão lírica de Maria José Lima, sem dúvida é o ápice dessa ideia minha sobre sua poesia ser ‘existencial’, sobretudo. Acima é um exemplo dignificante e emocionante de como ela conseguiu desmascarar esse libelo de forma corajosa e salutar. Isso faz com que eu convide para a nossa mesa de discussão o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Isso porque, em sua obra "Diário de um Sedutor", ele ensina: "A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para dentro." Esta reflexão ilumina a essência da poesia existencial, onde a memória e a saudade são pilares que sustentam a compreensão da própria existência.  Já Sylvia Plath, em sua obra "Ariel", também explora profundamente suas angústias pessoais através da poesia. Ela escreve: "E o grito do meu corpo / Rosa, vermelho, branco de impetuosidade / Oferece-me a mim mesma como uma chama." Plath utiliza a metáfora da ‘chama’ para simbolizar a consumação e a renovação de sua identidade, um processo comum na poesia existencial, onde o criador constantemente se reinterpreta e se redescobre através da escrita.

(Maria José Lima, in verbis):

Eu existo

Já não me sinto invisível

Sinto minha presença há vida!

Por onde passo

Por onde chego

Já ouço minha voz

Não há mais silêncio!

Aqui dentro há melodia

Já contemplo minha face

Não mais triste

Não mais cansada

Já vislumbro meus olhos

Não mais marejados há brilho!

Já o meu perfume exala

Impregna Sim...Eu existo!

 

Muito feliz em ter construído essa capa.

Esse poema literalmente traz também, para a nossa mesa, Jean-Paul Sartre em "O Ser e o Nada", quando ensina: "A existência precede e comanda a essência." Essa ideia ressoa com a prática dos poetas existenciais, que encontram na vivência e na experiência - no poema acima - a matéria-prima para seus motes, priorizando o vivido sobre o idealizado.

 

Agora, algo que eu gostaria de ter falado no prefácio da obra “Simplesmente Maria”, mas digo neste instante: poesia existencial não apenas retrata sentimentos, mas também proporciona um espaço de cura e entendimento. Sim, ‘cura’!  Porque ao externalizar seus tormentos e saudades, os poetas existenciais criam uma catarse pessoal que pode reverberar no leitor, oferecendo um meio de reflexão e identificação. Esse processo terapêutico é uma das razões pelas quais a poesia existencial permanece tão relevante e poderosa. (In verbis, MJL):

 

Ser como o Girassol

Nem todos os dias

Serei sol e energia

Mas não preciso ser

Tempestade e trevas

Na vida de ninguém

Quero ser como o Girassol

Que ao se confrontar com a sombra

Mobiliza toda sua força e energia

Buscando a direção da luz.

 

Grato pela oportunidade.

Assim como Maria José Lima (cuja capa da obra tive a honra de construir – veja foto nesta página), outros poetas contemporâneos continuam a explorar esses temas, mantendo viva a tradição da sinceridade e introspecção lírica. Mary Oliver, por exemplo, em seu poema "Wild Geese", escreve: "Diga-me sobre o desespero, o seu, e eu lhe contarei o meu." Oliver convida o leitor a compartilhar suas dores, criando uma comunidade, inclusive, pelo desabafo, a cura! Por que, não? A catarse poética é importante, sim!

 

Desta forma, fiquei muito emocionado em ler os poemas de Maria José Lima e mais emocionado ainda em ser convidado para pensar e construir essa capa de sua obra, além de fazer um pequeno prefácio, que completo agora. Tudo gerado literalmente pela poesia existencial de MJL que me proporcionou uma visão íntima e honesta da condição humana, desvendando os recantos mais profundos da alma da poeta, da minha, enquanto resenhista e com certeza, de seus milhares de leitores. Porque a coragem de Maria José em transformar essas emoções em arte merece, de fato, muitos aplausos.

 

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Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.

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Eliane LimaHá 2 meses São José de Ribamar ,MaranhãoParabéns, María José! ! Lindas poesias! Em cada verso, sente-se a verdade, o pulsar da vida desse mundo interior que muitos não têm coragem de tornar público... Parabéns,pela coragem! És uma poetisa brilhante! Deus abençoe cada vez mais a sua vida
DilamarHá 2 meses Sao Luis-MaParabéns por tão bela escrita, Maria José! Por sua alma poética, que muito me alcança.
GEYSA CIBELLE Há 2 meses SÃO LUÍS -MAUma grande poetiza. Como sempre dando um show.
JaimeHá 11 meses BSB/DFMais um show de publicação!!!
Joizacawpy Há 11 meses São luís Já conheço um pouco da escrita de Maria,e essa nudez em forma de versos conquista o leitor, essa poeta deveras sente. Pessoa.dizia ser o p Poeta um fingidor, porém no final ele diz a dor que deveras sente ou seja de verdade. Lindo passeio pela poesia de Mhario. Parabéns.
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