*Mhario Lincoln
Mais uma vez eu confirmo o que disse, quando escrevi o prefácio de “Simplesmente Maria”, da graciosa e autêntica poeta brasileira Maria José Lima. Eu me referia ao conceito da ‘poesia existencial’, que eu reputo como um gênero lírico de muita coragem ao expor publicamente a mais autêntica expressão da condição humana, na qual Maria José, nesse caso, transforma suas experiências, angústias e lembranças em versos, transcendendo a simples estética literária para alcançar um diálogo profundo e sincero com o leitor. Assim, ao utilizar a feitura de seus poemas como um meio de extravasar tormentos e saudades, a poeta cria um espaço íntimo de reflexão e vulnerabilidade, tornando a poesia existencial uma das formas mais reais e corajosas de arte.
(Ipisis litteris):
Cicatrizes
Tem lugares pelos quais passei
Que não pretendo retornar
Lugares em que me decepcionei
Pessoas que não sabem respeitar.
Eles discursam sobre amor
Mas são puro ódio e rancor
Maltratam sem nenhum pudor
Nos causando tristeza e dor.
Onde deveria emanar luz
Só presenciei escuridão
Somente tristes lembranças
Que feriram meu coração.
Não respeitam em vida
Máscara permanente de hipocrisia
No túmulo a lágrima fingida
Meu protesto em forma de poesia.
Essa expressão lírica de Maria José Lima, sem dúvida é o ápice dessa ideia minha sobre sua poesia ser ‘existencial’, sobretudo. Acima é um exemplo dignificante e emocionante de como ela conseguiu desmascarar esse libelo de forma corajosa e salutar. Isso faz com que eu convide para a nossa mesa de discussão o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Isso porque, em sua obra "Diário de um Sedutor", ele ensina: "A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para dentro." Esta reflexão ilumina a essência da poesia existencial, onde a memória e a saudade são pilares que sustentam a compreensão da própria existência. Já Sylvia Plath, em sua obra "Ariel", também explora profundamente suas angústias pessoais através da poesia. Ela escreve: "E o grito do meu corpo / Rosa, vermelho, branco de impetuosidade / Oferece-me a mim mesma como uma chama." Plath utiliza a metáfora da ‘chama’ para simbolizar a consumação e a renovação de sua identidade, um processo comum na poesia existencial, onde o criador constantemente se reinterpreta e se redescobre através da escrita.
(Maria José Lima, in verbis):
Eu existo
Já não me sinto invisível
Sinto minha presença há vida!
Por onde passo
Por onde chego
Já ouço minha voz
Não há mais silêncio!
Aqui dentro há melodia
Já contemplo minha face
Não mais triste
Não mais cansada
Já vislumbro meus olhos
Não mais marejados há brilho!
Já o meu perfume exala
Impregna Sim...Eu existo!
Esse poema literalmente traz também, para a nossa mesa, Jean-Paul Sartre em "O Ser e o Nada", quando ensina: "A existência precede e comanda a essência." Essa ideia ressoa com a prática dos poetas existenciais, que encontram na vivência e na experiência - no poema acima - a matéria-prima para seus motes, priorizando o vivido sobre o idealizado.
Agora, algo que eu gostaria de ter falado no prefácio da obra “Simplesmente Maria”, mas digo neste instante: poesia existencial não apenas retrata sentimentos, mas também proporciona um espaço de cura e entendimento. Sim, ‘cura’! Porque ao externalizar seus tormentos e saudades, os poetas existenciais criam uma catarse pessoal que pode reverberar no leitor, oferecendo um meio de reflexão e identificação. Esse processo terapêutico é uma das razões pelas quais a poesia existencial permanece tão relevante e poderosa. (In verbis, MJL):
Ser como o Girassol
Nem todos os dias
Serei sol e energia
Mas não preciso ser
Tempestade e trevas
Na vida de ninguém
Quero ser como o Girassol
Que ao se confrontar com a sombra
Mobiliza toda sua força e energia
Buscando a direção da luz.
Assim como Maria José Lima (cuja capa da obra tive a honra de construir – veja foto nesta página), outros poetas contemporâneos continuam a explorar esses temas, mantendo viva a tradição da sinceridade e introspecção lírica. Mary Oliver, por exemplo, em seu poema "Wild Geese", escreve: "Diga-me sobre o desespero, o seu, e eu lhe contarei o meu." Oliver convida o leitor a compartilhar suas dores, criando uma comunidade, inclusive, pelo desabafo, a cura! Por que, não? A catarse poética é importante, sim!
Desta forma, fiquei muito emocionado em ler os poemas de Maria José Lima e mais emocionado ainda em ser convidado para pensar e construir essa capa de sua obra, além de fazer um pequeno prefácio, que completo agora. Tudo gerado literalmente pela poesia existencial de MJL que me proporcionou uma visão íntima e honesta da condição humana, desvendando os recantos mais profundos da alma da poeta, da minha, enquanto resenhista e com certeza, de seus milhares de leitores. Porque a coragem de Maria José em transformar essas emoções em arte merece, de fato, muitos aplausos.
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Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.