Renata Barcellos (BarcellArtes)
Mal saímos da pandemia e estamos acompanhando desde o início esta calamidade: as intensas chuvas no Rio Grande do Sul. Como se estivéssemos sendo testados pela segunda vez quanto à resiliência, ao caráter e ao espírito de solidariedade do ser humano na atualidade. Muitos ainda têm sequelas da COVID (físicas e ou psicológicas), estão mergulhados em outra situação de extremo estresse, de incerteza, de não saber o que acontecerá. Segundo o historiador Karnal, em entrevista no CNN, “tragédias são oportunidades para melhorar”. A humanidade melhorou na pandemia? Pelo que observamos, desumanizou... Quem está em sala de aula tem autoridade para se posicionar.
Se por um lado acompanhamos diversas campanhas de mantimentos, roupas, medicamentos...; Parabéns às instituições das quais faço parte pela mobilização: Fraternidade Feminina Cruzeiro do Sul do GOB-RJ e do Colégio Estadual José Leite Lopes – NAVE RJ... Lamentavelmente, também há ações abomináveis como violência sexual nos abrigos e saques nas residências e comércios atingidos. Para onde caminha a humanidade? Como esses seres foram “educados”?
Os telejornais e as redes sociais nos mantêm atualizados 24 horas. As imagens e relatos são impactantes. Como não se sensibilizar e, mesmo que não tenhamos recurso financeiro, vale ajudar através do pensamento positivo, orações cada qual no seu credo. As práticas realizadas de auxílio diversos nos faz ainda acreditar na humanidade. Ratificar o quão o ser humano pode e deve ser solidário. O espírito de fraternidade tem inundado corações pelo Brasil afora. Que mais corações mergulhem neste sentimento.
Com a tragédia, todos precisam se conscientizar de que somos iguais como está na constituição. Independente da raça, do credo, do poder aquisitivo... todos foram atingidos. Perderem seus bens materiais e entes queridos. Todos estão em luto.
É momento de oferecer conforto psicológico a quem sofre a tragédia. Sobretudo aqueles que além dos bens materiais perderam entes queridos (pessoas e animais de estimação). Urge atendimento até online. Hoje, a tecnologia nos possibilita isso até pelo celular. Você, psicólogo, contribua. Doe algum momento do seu dia para atender a estas pessoas fragilizadas, mergulhadas em tristeza profunda, em desesperança, descrentes da vida. Segundo Emilson Garcia (Psicanalista Membro Aderente da Sociedade Internacional de Psicanálise, na Argentina, APOLa (Apertura para Otro Lacan). Psicanalista atendendo em consultório e online há 15 anos. Mestre em História das Ciências pela UFRJ Licenciado e Bacharel em Matemática pela USU, RJ Universidade Santa Úrsula), “estamos aqui falando de eventos da ordem do inominável e que vão provocar um grande trauma por uma desorganização psíquica. Mas é também o próprio intenso trauma que fará com que nossas memórias sejam quase que apagadas num futuro breve, tal como aconteceu com o evento da boate Kiss. Assim, se intervenções terapêuticas (psicanálise etc) não forem desde agora providenciadas, nos recusaremos, mais uma vez, a olhar de frente para os próximos sinais que serão emitidos pelo Real (que é aquilo que realmente importa, mas que se encontra invisível e sem representação). Finalmente, eis o perigo: afirma-se que a vida de todos nós nunca mais será a mesma depois das inundações do RS”.
Em ano de G20, mais do que nunca, precisamos pensar em direitos humanos. Sermos humanos. Humanizai-nos!!! As estatísticas são assustadoras. Segundo a Agência Brasil (https://agenciabrasil.ebc.com.br/), mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas pelas enchentes. São 445 o número de municípios atingidos, mais de 80 mil pessoas em abrigos e mais de 10 mil animais resgatados.
Em meio a toda perda, os atingidos ainda estão precisando lidar com os saques. Como pode alguém se apropriar dos bens das pessoas sofridas? Onde fica a solidariedade?
E, nos abrigos, diante de tanto gasto e demandas emergências de resgate, ainda tomando medidas de combate à violência sexual como câmeras e os agentes da Força Nacional também deslocados para atuarem na segurança das pessoas lá amparadas. Após casos de denúncias, a prefeitura de Porto Alegre anunciou a criação de um exclusivo para mulheres e crianças. Como pode isso ocorrer? Se aproveitar da fragilidade das pessoas para abusar delas. Isso é desumano. Muitas estão órfãs, não sabem dos seus pais e ainda passam por mais uma experiência traumatizante. Tenhamos piedade!!!
Diante desse cenário nefasto, como educadora, vigora a perplexidade com todos os relatos ouvidos e lidos. Em mês de maio, comemorativo das mães, perguntamo-nos: qual é a educação recebida? Melhor, pelo visto, não estão recebendo orientação adequada. Inúmeras denúncias diárias de abusos e, mesmo assim, só aumentam os casos. Como pesquisadora de literaturas, em luto também pelas bibliotecas atingidas. Obras raras que não mais existirão. Em situações como esta, verificamos como devem ser digitalizadas para serem preservadas e serem eternizadas. Para que possamos navegar em mares nunca dantes desbravados. Muitas não mais teremos acesso, não será mais possível mergulhar entre aquelas palavras. Irreparável as perdas de obras literárias, plásticas, de documentos, de projetos... Isso nos faz pensar o quanto devemos nos prevenir e utilizarmos a tecnologia a nosso favor. Será preciso a doação de livros para alimentarmos almas famintas, para propiciarmos dar asas à imaginação, sonhos surjam e a esperança de um futuro reparador.
Cicatrizes precisam ser fechadas. As feridas estão abertas com tudo que está ocorrendo. Sobreviventes, sejam resilientes!!! É hora de se reconstruir, se reinventar. Muitas vezes, como forma de terapia: ouvir música, dançar, praticar esportes ou escrever como válvula de escape. A arte cura independente da modalidade. Alimente, inunde sua alma de arte. Mergulhe nesta terapia.
Finalizo esta reflexão com outra citação do historiador Karnal, no Facebook, “As crianças abrirão as águas em busca da Terra Prometida. Por elas, limparemos o barro e semearemos tudo de novo”. Que brotem novos frutos. Venham pessoas solidárias e pratiquem a solidariedade e não vandalismo.