"Em 'A Vida é Bela', Guido Orefice personifica a filosofia de Spinoza ao transmutar a brutalidade do campo de concentração em um jogo, protegendo seu filho da crueldade do mundo com a força da imaginação e do amor'. SILVÂNIA TAMER.
Com base nessa bela observação da curadora Silvânia Tamer, o jornalista Mhario Lincoln, aproveita e republica, uma resenha que fez e publicou há 3 anos, n'A Folha, sobre essa bela obra prima. Diz o seguinte:
O exemplo sócio-depurativo
*MHARIO LINCOLN
O filme "A Vida é Bela", dirigido e estrelado por Roberto Benigni, é uma obra cinematográfica que transcende a simples narrativa de um drama familiar ambientado na Segunda Guerra Mundial para explorar profundas questões filosóficas, sociológicas, religiosas e sociais.
Sobre a essência do filme quero neste texto, representá-lo em várias filigranas que residem na perfeita capacidade de mostrar como o amor, a esperança e o humor podem coexistir mesmo nas circunstâncias mais atrozes, oferecendo uma visão humanista que ressoa com a filosofia de pensadores como Baruch Spinoza e John Locke, do século XVII.
Baruch Spinoza, conhecido por seu racionalismo e sua visão panteísta do universo, propôs que a felicidade humana é alcançada através da compreensão e aceitação da realidade, bem como do desenvolvimento de uma perspectiva racional e amorosa sobre a vida.
Em "A Vida é Bela", a personagem de Guido Orefice exemplifica essa filosofia ao transformar a brutal realidade do campo de concentração em um jogo, protegendo seu filho da dureza do mundo através da imaginação e do amor. Por isso, tenho a mais real concepção de que essa abordagem não é uma fuga da realidade, mas, sim, uma maneira de enfrentá-la de forma que a vida continue a ser bela apesar das circunstâncias.
John Locke, por outro lado, enfatizou a importância das experiências sensoriais e da educação na formação do indivíduo, defendendo a ideia de que o ambiente e as condições sociais influenciam profundamente o desenvolvimento humano.
Ao assistir ao filme com bastante atenção ao contexto, acabei entendendo a forma como Guido molda a experiência de seu filho é uma ilustração prática das teorias de Locke. Através de suas histórias e jogos, ele cria um ambiente onde o horror é filtrado, permitindo que o menino mantenha sua inocência e esperança, mesmo em meio à desumanidade.
Bem, não poderia também de analisar "A Vida é Bela" pelo ponto de vista sociológico. Na verdade, sob tal prisma, um entendimento poderoso das relações humanas e das estruturas sociais em tempos de crise. O filme sublinha a capacidade de resistência e a solidariedade, mostrando como as conexões interpessoais podem ser uma fonte de força e resiliência.
Guido, ao usar o humor e o amor como ferramentas de resistência, desafia as normas opressivas impostas pelo regime nazista, ilustrando como o espírito humano pode encontrar maneiras de perseverar mesmo em ambientes extremamente hostis.
Até mesmo religiosamente, o filme ecoa temas de sacrifício e redenção, elementos centrais ao cristianismo e Guido pode ser visto como uma figura crística, que se sacrifica para proteger a inocência e a vida de seu filho.
Este sacrifício voluntário e amoroso é uma reflexão sobre a capacidade humana de transcender o sofrimento pessoal em nome de um bem maior, um tema que encontra paralelos em várias tradições religiosas e espirituais.
Socialmente, "A Vida é Bela" tem um impacto duradouro por sua mensagem de esperança e resiliência. Desde seu lançamento, o filme tem sido utilizado como um recurso educativo para discutir o Holocausto, a natureza do mal e a importância da dignidade humana. Sua influência se estende além das salas de cinema, inspirando movimentos de resistência pacífica e iniciativas de educação sobre genocídios e direitos humanos.
Enfim, a mensagem de que a vida pode ser bela mesmo em meio ao horror, tem ressoado globalmente, influenciando tanto espectadores individuais quanto comunidades inteiras, evidenciado por inúmeras discussões acadêmicas e iniciativas pedagógicas que utilizam "A Vida é Bela" para promover uma compreensão mais profunda da resistência humana e da capacidade de encontrar beleza mesmo nas situações mais sombrias.
Esse será o tema da primeira ampla discussão - via chat - da Academia Poética Brasileira em junho. Divulgarei as datas.
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*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.