Mês de junho : UM MOSAICO DE EMOÇÕES
O mês de junho se apresenta para mim como um mosaico de emoções, com suas festas juninas, fogueiras , manifestações folclóricas encantadoras, com sua tradição, preservação e valorização das crenças e da cultura popular, foi neste mês rico de cultura que o meu genitor nasceu e completa mais um mês da sua partida. É como se o calendário se transformasse em um espelho da alma, revelando a dualidade da existência humana. De um lado, a lembrança dos aniversários, das músicas, dos arraias, dos momentos, dos risos, do outro, a tristeza profunda da partida, a ausência sentida, o nunca mais ver, as histórias silenciadas, a lágrima insistente, a festa monocromática, e o olhar hipnótico para o nada.
Neste mês fui convidada a navegar duplamente em um mar de sentimentos, onde a alegria e a tristeza coexistem, se entrelaçam e se transformam. Mas despertei e agradeci, agradeci... celebrei a vida do meu pai com gratidão, reconhecendo a beleza, a preciosidade, os desafios e aprendizados de cada momento vivido, a oportunidade de ter a sua companhia por 78 anos de forma intensa e honrar a sua memória propagando o que existe em mim que tanto o orgulhava.
Agora faço este convite: que possamos lembrar, celebrar a vida e a honrar a partida. Porque a vida é um ciclo e as nossas ações são determinantes para que a partida se transforme em saudade e a saudade é a manifestação real do amor. “ Só quem ama, sente saudades” Neruda nos ensinou. E o amor, esse sentimento sublime é a força que nos impulsiona a seguir em frente, a celebrar a vida e eternizar a memória daqueles que amamos, mesmo que a dor da partida insista em nos acompanhar. No dia 02 de junho, fiz este texto “ Tríade indissociável : Parkinson, poesia e Saudade do qual compartilho com vocês:
Naquela mesa ele sentava sempre e me dizia sempre o que é viver melhor, naquela mesa ele contava histórias que hoje na memória eu guardo e sei de cor....Naquela mesa todo dia 02 de junho nos reunimos para parabeniza-lo por mais um ano, hoje a mesa está vazia, pai.
A noite cai e com ela, a quietude do quarto. A luz da lua invade a janela, desenhando sombras nas paredes. Converso com as lágrimas, com silêncio e busco o abraço das nossas lembranças, das conversas, dos risos, da história que esta eternizada em mim. Não estou mais velando seu sono, mas continuo a de mãos dadas com a saudade e lembro Pai da nossa convivência com o Parkinson, este foi o nosso desafio, a força que reside na resiliência, na capacidade de encontrar mesmo com sofrimentos, o apoio para que pudéssemos nos firmar nos momentos mais desafiadores.
E conseguimos! Aprendemos junto o ritmo do parkinson.
Caro leitores, imagine-se dançando ao som de uma melodia ritmada, seus pés deslizando pelo chão com leveza e graça, seus braços se erguem no ar, em um movimento fluido e sem esforço tocam no céu. A música preenche o ar, você as sente em cada movimento do seu corpo e ela contagia todos ao seu redor.
De repente, a música diminui o ritmo. Seus movimentos não são mais os mesmos e se tornam mais lentos e rígidos. Seus pés parecem chumbados ao chão e mesmo você querendo, seus braços se recusam a erguer.
- O que está acontecendo? Por que meu corpo não me obedece?
Essa é a pergunta e a sensação que muitas pessoas com Parkinson enfrentam diariamente. A doença degenerativa rouba a fluidez dos movimentos, transforma a dança em um passo lento e oscilante.
Meu pai, conviveu durante anos com o Parkinson...
NOITELOGANDO...
O momento desmaia reflexivo
perplexa acendo a luz
converso com meus medos
transformo-os em coragem...
A fé aperta minhas mãos e registra suas digitais.
O Parkinson cochila, tem sono leve
escondo-o do invisível.
Em mim, tudo é rio
inundo-me e
nado, para alcançar
outras margens...
O livro de poesia, preocupado, chora...
mas, incansavelmente, ora.
Ásperos tempos...
Saudade dos tempos veludo...
Tempo, não demora!
Chuvo buscando o sol,
a lua me acolhe em seus braços
e me abraça
feito lençol.
E foi nesse abraço que fomos acolhidos, durante anos. A poesia surge como um refúgio, um bálsamo para a alma. Nela, buscava ver o Parkinson não como uma limitação ou a doença degenerativa que tanto nos preocupava, mediante a energia mental aprisionada em um corpo desobediente, mas passei a vê-la como uma fonte de aprendizado. É como se fosse um convite para explorar a fragilidade da vida, a beleza das pequenas coisas, os passos lentos, a pausa, os detalhes, apreciar a caminhada, o mar , a resiliência, a força do amor e a esperança que brota mesmo em meio à escuridão.
Assim, a dança da saudade se transforma em um bailado de poesia, onde o corpo e a mente se unem em uma celebração da vida, em um agradecimento por cada dia vivido, por cada sorriso compartilhado, pelo passos na praia, pela sabedoria transmitida e por cada verso escrito.
A poesia, como uma psicóloga renomada, acompanhava-nos dia a dia. Mas o Parkinson não concede trégua. sua voz pai cada dia mais baixinha e eu capacitada por Deus, conseguia entender, sua comunicação aos poucos diluindo... e como se comunicar era algo vital para o senhor...
Então, passei nesses momentos a buscar uma força interior , a entender até o que não se entendia, a dar perguntas para as abstratas respostas e observar criar histórias de esperança para lhe ver sorridente, mesmo tento que enxergar poesia na lágrima caída.
E na sabedoria de quem sempre foi inspiração para mim, falando-me sobre remédios, disse: O mundo precisa de remédios. Mas não estes, mostrando para os que tomava diariamente... e eram tantos...
E ele continuou: - o mundo precisa de pessoas que curam, que possibilitam sensações prazerosas, que dão as mãos, passeiam, que respeitem crianças, idoso. E disse desse jeito: - “Filha, tu é meu remédio!” e eu escrevi este poema:
"Seja cura!
Seja amor terapia,
seja remédio.
seja vida
doando vida,
assim como o sol,
a lua , como o
canto dos pássaros,
a brisa e o mar.
Seja aroma de paz
ou ervas medicinais,
seja o néctar dos
sonhos e os sorrisos
contido em nossos
sinais vitais.
A luta contra o Parkinson é diária, mas a vitória não se resume à cura (não existe cura) uma doença degenerativa nos limita, pois insiste em querer tirar a nossa esperança, mas nos ensina a importância do agora, do momento vivido: É sobre abraçar o dia a dia, adaptar-se, reinventar-se. É sobre encontrar a luz que existe mesmo na escuridão.
A poesia se torna uma testemunha dessa jornada, um farol na tempestade, um canto de esperança para si mesmo e para todos aqueles que enfrentam desafios semelhantes.
ESPERANÇAR
Olhar para céu
desenhar nas nuvens
escrever no sol feito
folha de papel
A chuva ser tinta
pintar a vida
em aquarela
brincar de ser
menina
Relação filha e pai
mãos entrelaçadas que
não se soltam jamais.
As nuvens encharcadas
começam a chorar.
Dialogo com meus medos
as palavras faltam ar.
A noite dorme febril
no amanhecer sonolento
avisto o mar calmo mesmo
turbulento.
Nebulizar
oxigenar
Suplico o ar.
De noite a poesia nos coloca
no colo e canta canções de ninar.
Poetas a(dor)mecem
abraçados no esperançar.
Sharlene Serra
É meu pai, continuamos juntos, com as nossas mãos entrelaçadas com a poesia.
Naquela mesa, naquela rede, naquela praça, naquele mar...