Domingo, 08 de Setembro de 2024 03:03
editor-sênior, jornalista Mhario Lincoln
Brasil SEMANA NAURO

Como um mágico, o imortal da APB, poeta Rogério Rocha, integra Nauro Machado ao cenário; ao cheiro e ao marulho da cidade de São Luis(Ma)

A poética de Rogério Rocha, como se gravasse imagens poéticas, na imersão sobre o poeta Nauro Machado.

18/08/2024 16h40 Atualizada há 3 semanas
Por: Mhario Lincoln Fonte: Rogério Rocha/Nauro Machado.
Arte: MHL com Rogério Rocha e o ator Uimar Junior.
Arte: MHL com Rogério Rocha e o ator Uimar Junior.

Nota do editor: Os versos de Rogério Rocha sobre Nauro Machado são uma rica troupe de imagens e sensações que capturam a essência do poeta em movimento. É isso que eu senti. Porque Rocha utiliza a metáfora do corpo como um copo translúcido e brilhante, sugerindo a transparência e a luminosidade da presença de Nauro.  Rogério Rocha parece gravar imagens do poeta através de seus olhos líricos; a do corpo que se adapta ao fluxo de um líquido, evoca exatamente isso: a fluidez e transitoriedade de maneira excepcional. 

E como um mágico o imortal da APB, Rogério Rocha, integra Nauro Machado ao ambiente, ao cenário, aos sons, aos brilhos, a chuva, ao céu cinzento, ao cheiro de marulho, à ruinas da cidade; e o faz mover-se com a mesma naturalidade de um rio, parafraseando a passagem do tempo e a impermanência da vida, carregando galhos secos, flores mortas, restos ribeirinhos de barro que, invés de tornar-lhe mórbido, traz vida a milhões de organismos vivos alimentados por esses escombros.

Esses versos, como uma câmera imersa nos olhos, Rogério, repito, captura um Nauro Machado muita mais que uma simples mortal e extrai dele a profundidade de psiquê e arranca a materialização da alma poética de um Nauro (quase) imperceptível a olho nu, pois se faz necessário "adentrar as salas desertas que afloram no além-palavra". Perfeito, Rogério Rocha. Excelente poema.

 

Nauro (poema extra)

Por Rogério Rocha 


Eu o vejo descendo a pé
a sempre velha Rua de Nazaré...
Os velhos prédios, as velhas pedras
acenam para ele no passar infindo.
Leva à mão direita
um guarda-chuva negro, grande
e pontudo...
Na mão esquerda uma pasta
(que ao poeta nada basta).
Na mão direita seu guarda-chuva
(guarda-preces, guarda-dores, guarda-escárnios),
tal qual bengala, margeia a beira,
feia, fria e dura beira de calçada,
como se escrevesse, como se traçasse,
nela e com ela, uma outra linha,
paralela, imaginária...
ponteando o seu passar.

Nauro desce a Praia Grande.
Seu corpo é um grande copo,
corpo translúcido, brilhante,
que cabe no fluxo de um líquido
que cai no vazio vazante
do continente, conteúdo que espuma
da cabeça aos pés e se banha no rio
do temporário, que o espera sobre
as mesmas mesas dos mesmos bares,
refúgio presente, pleno sacrário
de tudo que sorve a dor e proclama
suas relíquias no objeto incendiário.

Vejo daqui, desta sacada,
bem de cima, bem do alto,
tua cabeça descampada.
Vejo da sacada deste velho casarão.
Tua cabeça é como um vão.
A tua sombra perene,
teus versos enchendo a rua,
subindo aos ares, lambendo o chão,
onde correm passos que varrem
a paisagem, paisagem solene
das pedras que dormem nuas.

Silêncio, silêncio meu poeta!
Estou afeito a curtir pensamentos
que escrevem mãos caladas.
Vago também pelos vales e valas,
pelas vagas onde ecoam os berros
de tua voz grave e trágica.
Ecoa no espaço azul do sereno,
vige ainda no tempo o teu dito.
Oh! poeta que me ofusca!

Tu, poeta, és quase adivinho,
És quase profeta na encruzilhada.

Tua fala, teu andar desconcertante,
teu apuro com a essência da palavra,
prisão ferrenha, destino amargo
porto incandescente.
Em teu ombro carregas, cansado,
o altar de Apolo.
Ainda assim, celebras Dionísio.

Oh! tu, amena criatura! Solitário ser
que transita em nossas ruas escuras,
confiscando as posses desse sítio falido,
confundindo-se com a fauna efêmera
das multidões desvanecidas
que, pouco a pouco, sucumbem
à dilaceração furiosa do teu logos,
semente negra que se espalha
sob os restos de tudo que jaz,
perfumando com ácido aroma
nossa triste e perpétua mortalha.

Dentro de ti, de tua pasta,
não sei o que carregas.
(Talvez carregue mágoas!)
Talvez guardes nela poemas novos,
poemas velhos, poesias enjauladas.
Na tua pasta só cabe a tua alma.
Há pouco espaço para o ser que não és.

Assim vai, descendo o poeta, 
sempre a pé,
a mais que velha Rua de Nazaré.

Poeta nefasto, poeta nefando.
Música trágica tocando ao fundo,
qual trilha sonora do meu desencanto.
Uma criatura qualquer, filha das ruas,
passante sem rumo, o saúda com palavras
que, à distância, 
não posso compreender.

Vai, rua abaixo, o poeta,
esse sismo ambulante.

Dele saem gotas frias de suor,
banhando sua carne inquieta,
sua magnitude metafísica.
Poeta mal-visto, mas poeta que se guarda.
Poeta sem lugar, posto que abarca
o tudo e o nada.

São Luís é pequena, São Luís é parca.
A ilha é pequena, é pouca, esquálida.
Não preenche o vazio de sua estrada,
pois falece antes, apodrece em suas mãos,
sem chegar ao profundo, sem abrir as portas
e adentrar as salas desertas que afloram
no além-palavra.

6 comentários
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Carmen Regina DiasHá 4 semanas CascavelMuito muito muito gostoso de ler, vejo vida, vejo Nauro, imagino o cenário, sua inspiração é belíssima, Rogério Rocha, parabéns!
UimarHá 4 semanas São luisParabéns Rogério Rocha. Representar Nauro foi mágico, emocionante .
Raimundo FonteneleHá 4 semanas Barra do Corda Maranhão Um poema simples, gostoso de se ler e saborear Rogério Rocha entrega-nos o poeta Nauro em sua odisseia poética pelas praças, ruas e becos de sua amada Ítaca.
alcina maria silva azevedoHá 4 semanas Campinas- SPComo é gostoso ler o poeta Rogério Rocha. Ele desbrava sentimentos profundos, em cada trecho que escreve, com seu cândido olhar poético e, uma sensibilidade infinita. Dentro de ti, tua pasta, não sei o que carregas ( talvez carregue mágoas!) Talvez guardes nela poemas novos, poesias enjauladas. Na tua pasta só cabe a tua alma. Há pouco espaço para o ser que não és. Quanta beleza! Parabéns Rogério Rocha! Sou sua fã.
Wybson CarvalhoHá 4 semanas Caxias - MaranhãoBelíssimos: texto e poema ao nosso bem-humano-literário, Nauro Machado!
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