Para o que tenho a contar hoje, tenho que falar sobre a história de Manaus. E para falar sobre a história de Manaus, é importante citar a influência que São Luís teve, indiretamente, para a sua criação. Se não fosse pela chegada dos franceses no Maranhão em 1612, cento e doze anos depois da chegada de Cabral, significando que os portugueses ainda estavam tão perdidos com a grandeza da nossa terra, que não haviam conseguido sair da região da Bahia e Pernambuco para explorar o norte do Brasil, o que veio a ocorrer depois que eles viram a chegada dos franceses e se deram conta de que havia muito mais a ser explorado. Só então iniciaram as expedições adentrando os rios do norte e construíram o Forte da Barra de São José, à margem esquerda do Rio Negro, em 1669, sob o comando do capitão de artilharia Francisco da Mota Falcão. Foi a partir desse forte que Manaus surgiu mais tarde nos bancos do Rio Negro, no noroeste do Brasil, para ser a capital do vasto estado do Amazonas, tornando-se um ponto de partida importante no âmago da Floresta Amazônica. A leste da cidade, o Rio Negro, escuro, converge com o Rio Amazonas, barrento, resultando no fenômeno visual incrível chamado de "Encontro das Águas".
Manaus tem seu crescimento intimamente ligado ao Ciclo da Borracha, que teve início por volta da década de 1870 e se estendeu até o começo da década de 1910. Esse período marcou o auge da exploração do látex extraído das seringueiras na Amazônia, que era transformado em borracha, um produto de altíssimo valor no mercado mundial devido à crescente demanda da indústria, principalmente para a fabricação de pneus de automóveis e outros produtos. O apogeu desse ciclo foi entre 1890 e 1910, quando cidades como Manaus e Belém se tornaram centros de prosperidade e riqueza, refletida em grandes construções como o Teatro Amazonas e o Teatro da Paz. No entanto, o Ciclo da Borracha começou a declinar por volta de 1912, quando os ingleses iniciaram a produção de borracha em larga escala nas plantações do Sudeste Asiático, onde os custos eram mais baixos e a produção mais eficiente, levando o Ciclo da Borracha ao colapso no Brasil, mas deixando um grande legado na história econômica e social da Amazônia.
Citei esses dados sobre a história de Manaus para situar a história do meu avô, que, conforme falei na matéria anterior, era o guarda-livros das casas inglesas de São Luís, Belém e Manaus. Essas casas inglesas se estabeleceram no Brasil logo após a independência, quando o país passou a comerciar com a Inglaterra, exportando matérias-primas além de alguns produtos manufaturados, e importando produtos industrializados da Inglaterra. As casas inglesas no Rio de Janeiro vendiam muitos alimentos britânicos, como manteigas, queijos, presuntos, batatas de Jersey, biscoitos Huntley & Palmers, molhos e mostardas, perfumarias, cosméticos etc. Também havia uma lista de artigos de luxo importados da Grã-Bretanha, incluindo relógios, cronômetros, pianos, louças e artigos de cerâmica, selas e equipamentos para equitação, sombrinhas, palhetas, capas de chuva, cofres de ferro, caixões, armas de fogo, tintas para escrever, bicicletas, pó para limpar pratarias e tesouras para costura, móveis como o aparador inglês, a escrivaninha inglesa, o lavatório, latrinas, banheiros de porcelana, manilhas, ralos para água potável, tudo estava na lista de importação das casas inglesas.
Essas casas comerciais, também chamadas de "casas de exportação", eram estabelecimentos britânicos dedicados principalmente ao comércio de produtos agrícolas e matérias-primas, como café, cacau, borracha e açúcar, que eram exportados para a Europa e outras partes do mundo. Além do comércio de exportação, essas casas também estavam envolvidas na importação de produtos manufaturados, especialmente máquinas, tecidos e artigos de luxo, que eram vendidos no mercado brasileiro.
As casas inglesas ajudaram a modernizar a infraestrutura comercial e financeira do Brasil, trazendo inovações como linhas de crédito, seguros e o uso de transportes ferroviários e marítimos. Também investiram em setores como mineração e o setor ferroviário, controlando boa parte do capital estrangeiro presente no Brasil.
Apesar de sua importância, essas casas enfrentaram desafios, especialmente após a Primeira Guerra Mundial, quando as condições econômicas globais mudaram e o Brasil começou a fortalecer sua própria indústria interna, reduzindo gradualmente a dependência dos produtos britânicos.
No Maranhão, as casas inglesas estavam envolvidas em atividades comerciais relacionadas ao cultivo e exportação de produtos como algodão, arroz e babaçu, aproveitando a vantagem do porto de São Luís, por ser uma via importante de escoamento para esses produtos, facilitando o comércio internacional com o Reino Unido.
Em Belém, as casas comerciais inglesas tinham forte presença devido ao ciclo da borracha. A cidade era um grande centro exportador de látex, que abastecia o mercado europeu, principalmente o britânico. Além da borracha, produtos como cacau e castanha também faziam parte das transações comerciais com os ingleses.
Manaus se tornou um polo econômico devido ao grande fluxo de exportação de borracha para a Europa, e as casas comerciais inglesas se beneficiaram desse comércio, controlando parte da exportação e oferecendo serviços financeiros e de transporte.
Essas casas inglesas desempenharam um papel importante no desenvolvimento econômico dessas regiões, não só por intermediar o comércio entre a Amazônia e o mercado internacional, transportando suas mercadorias através dos navios a vapor da SS Booth Line, a companhia de navegação britânica que, naquela época, operava vapores na região amazônica, com seus navios SS Cyril, SS Clement e SS Hildebrand, conhecidos por conectar a Amazônia com o Reino Unido e os Estados Unidos, transportando os produtos amazônicos. As casas inglesas também atuaram em áreas como infraestrutura, serviços e até o financiamento de projetos locais.
Meu avô, João Serrão Ewerton, fez a última viagem de Manaus para São Luís no ano de 1919, a bordo do vapor SS Leopoldina. O vapor fazia parte da frota de transporte de passageiros e carga que navegava pelo rio Amazonas, ligando Manaus a Belém. Essa viagem deve ter sido muito dolorosa para ele, pois tinha um tom grave de despedida para sempre, posto que ele teve um pico de hipertensão e ficou com uma sequela que o impedia de movimentar a perna esquerda.
Imagino o tamanho do golpe que essa sequela lhe causou, por ser ele um poeta vaidoso, que estava sempre impecavelmente vestido, com ternos de cambraia de linho branco, abotoaduras de ouro cravejadas de pérolas minúsculas em torno de uma exuberante esmeralda, além de seu relógio de algibeira com robusta corrente, tudo feito em ouro 18 k, da mesma forma que seus óculos pince-nez (do francês "pinçar o nariz"), um símbolo de status social durante a época.
Para esse poeta que teve que ausentar-se de Manaus para sempre, pois estava disposto a ir morar no interior da Baixada, onde seus pais tinham um verdadeiro império construído sobre a pecuária, e eram famosos por suas festas de "ferra do gado" que duravam quase um mês inteiro, quando navios-gaiolas iam lotados com membros da alta sociedade ludovicense para prestigiar essas festas nababescas.
Toda essa opulência devia estar em suas memórias no momento dessa despedida, pois ele estaria voltando para ela, mas ele não tinha ideia de toda a tragédia que estava por vir após tomar as decisões que tomaria ao chegar ao Maranhão.
Nascido em 1885, meu avô estava naquele ano com apenas 33 anos de idade e estava com o casamento previsto com uma dama da alta sociedade maranhense, mas, devido à sequela na perna, ele declinou do casamento alegando que não era mais digno de casar com a tal moça. Essa decisão o levaria a uma queda angustiante em um abismo de martírios que eu não desejaria ao meu pior inimigo.
Precisamente essas lembranças vêm à mente no exato momento em que deixo o píer e embarco na Madame Crys, e me dou conta de que, pela primeira vez, estou flutuando sobre as águas extraordinárias do Amazonas, que nos mostram silenciosamente o quanto este planeta é volátil e nos engana mudando sua superfície, enquanto atentamos apenas para a passagem do tempo, como se essa fosse a única coisa que está passando diante de nós, juntamente com a rota do sol, quando, na verdade, o sol e sua rota são imutáveis, e o que está em total metamorfose é a terra sob nossos pés, o que se torna totalmente evidente quando estamos sobre as águas dos rios ou do mar.
Ao me acomodar no assento confortável da arrojada embarcação, volto a me lembrar do meu avô e seu desconfortável retorno. Ele, que não se achava digno de casar com uma moça da alta sociedade, foi para o interior, onde, em Bacurituba, encontrou minha avó, cuja família tinha o mesmo sobrenome, pois com a abolição, os escravizados receberam o sobrenome dos seus senhores, e essa era a mágoa da minha bisavó, que o odiava por pertencer à família que maltratara os seus pais.
Eles se casaram rapidamente, mas logo depois ele teve outro AVC, ficando completamente imóvel e sem fala por 18 anos, vivendo de comida e bebida apenas quando se lembravam dele, passando privações depois que seu dinheiro acabou. Embora sua família tenha tentado reconciliar-se e levá-lo de volta, ele recusou e permaneceu dependente da família da minha avó, que ainda nutria ressentimentos.
Diante da pobreza e sem oportunidades, minha avó, que precisava sustentar os dois filhos, acabou tendo um amante. Mesmo sendo uma curandeira habilidosa e conhecendo alguns métodos abortivos, concebeu dois filhos desse relacionamento. Ao descobrir a gravidez, minha bisavó, pensando que meu avô era o pai, o acusou furiosamente. Sem poder se defender, ele apenas chorou silenciosamente.
Assim, ele passou os últimos 18 anos de sua vida. Meu pai, que tinha 11 anos na época, desenvolveu um trauma profundo, que mais tarde se manifestou quando, também vítima de um AVC, ao ser internado, fugiu do hospital em delírio, acreditando que minha mãe estaria com outro homem. Ambos morreram aos 57 anos, a mesma idade. Fui o primeiro homem da família a quebrar esse ciclo, há mais de dez anos.
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