1967 FOI UM ANO BOM
*Raimundo Fontenele
No fim daquele 1962 os padres que dirigiam o Seminário de Santo Antônio resolveram me desligar do mesmo, achavam-me rebelde, brincalhão, sem verdadeiro espírito de seminarista. Fui assim devolvido à Diocese de Caxias que me enviou em 1963 para o Seminário da Prainha, em Fortaleza, mas aí é outra história, e nada tem de ludovicense nela.
Mas não esqueço os padres Bosco, ótimo professor de português, padre Oton, professor de latim, padre Carlos Melo, diretor espiritual, padre Marcos, o ecônomo do Seminário, e do padre reitor, de quem não lembro o nome, mas não esqueço a figura, franzina, um mineiro silencioso, de passos leves e de coração doce e afável.
Então voltemos ao ano de 1967. Cheguei em São Luís com o apoio do Padre Manoel da Penha Oliveira e do Deputado Estadual Luís Rocha. Falo em apoio porque eu era um jovem sem nenhum recurso material, meus pais não tinham condições de custear meus estudos.
Eu havia trabalhado nas campanhas políticas do Padre Manoel para prefeito de São Domingos, e ajudado também na campanha do Luís Rocha, e assim eles viabilizaram esta minha nova estadia em São Luís.
Janeiro de 1967 voltei pra sentir aquele cheio de mar e maresia que era uma marca registrada da Ilha. Fiquei um mês e tal hospedado na casa do Luís Rocha, uma casinha de dois pisos na Vila Iná Rego, lembro do DER ali perto, o Canto da Fabril, território motense, o Estádio Nhozinho Santos e aí em seguida fui morar na Casa do Estudante, mas a gente chamava mesmo era de UMES. Na Rua do Passeio. Lá pras bandas do Cemitério do Gavião.
UMES e seus entornos. Vila Bessa. Belira. Lira. Madre Deus. Goiabal. Nesses bairros, nos fins de semana em companhia de dois amigos, o Pestana e o Davilson, a gente saía procurando as famosas festinhas e as garotas. Renato e seus Blue Caps. E os sucessos “Não te esquecerei”, “Menina linda”, “Ana”, “Não quero ver você chorar”, “Dona do meu coração”. Quase sempre versões das músicas dos Beatles. Wanderley Cardoso atacava de “Bom rapaz” e “Doce de côco”; Jerry Adriani tinha “Querida”, “És meu amor”, “Quem não quer”. E o chefe da patota, Roberto Carlos e seu parceiro Erasmo Carlos, e uma gata chamada de ternurinha, a Wanderléia.
E tome Rum Montilla com Coca-Cola. Muita agarração, muito chamego, beijos e tal, mas ninguém passava do limite, não tinha esse negócio de pílula anticoncepcional disseminada geral e como dizia a música do Roberto “casamento, enfim, não é papo pra mim”.
Era o segundo ano de mandato do Governador José Sarney. Um dos governadores mais jovens do Brasil. Pertencera ao grupo chamado Bossa Nova da antiga UDN. Militares no poder, Sarney aderiu e passou-se para a ARENA. Justiça seja feita. Naquela época o Maranhão vivia momentos políticos de grande euforia e transformação. Pensávamos, até certo ponto, que estávamos enterrando o passado junto com a prática vitorinista de governar.
Sarney chamara jovens entusiastas e competentes para a administração pública. Reinaldo Tavares. Haroldo Tavares. E outros. E uma cabeça pensante, o poeta Bandeira Tribuzi. Na educação o Dr. José Maria Cabral Marques, que visitara a Alemanha e o Japão, trouxe ideias, projetos, planos que foram sendo implantados ao longo daqueles vitoriosos primeiros anos da era Sarney: Projeto Bandeirantes, escolas de nível médio, profissionalizantes; Projeto João de Barro, educação de jovens (fora da faixa etária escolar) e adultos. E, então, o mais revolucionário deles: a TV Educativa, talvez a primeira, seguramente umas das pioneiras em todo o território nacional.
Depois, bem, depois é depois do qual falarei depois. Mas em 1967 ninguém poderia imaginar que José Sarney iria implantar uma nova era de caciquismo político, apoderar-se, enfim, da máquina pública para satisfazer projetos pessoais e satisfação de grupos que lhe eram fiéis, deixando o Estado após tantos anos numa situação de penúltimo lugar nos indicadores sociais.
Quanto a mim, morava na UMES, tinha um emprego de Assistente Administrativo na Secretaria de Educação, à época instalada no terceiro andar do Edifício BEM, prédio pertencente ao Banco do Estado do Maranhão, na Rua Tarquínio Lopes. A mesma do Cine Roxy, da Assembleia Legislativa, e do inesquecível Colégio Santa Tereza, reduto de meninas, as mais belas e ricas, e, portanto, mais desejadas, mas inacessíveis para um jovem pobretão como eu. Contentava-me em admirá-las, desejá-las... Estudava, à noite, a terceira série ginasial no Liceu Maranhense, depois chamado Colégio Estadual do Maranhão. Tinha 19 anos, me arrastara nos estudos, mas estava ali, esperando mesmo o quê? Nem eu sabia.
Mas, de fato, 1967 foi um ano bom.
(Do livro A REPÚBLICA DOS APICUNS)
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