Redação do Facetubes
A entrevista com Ailton Krenak, intelectual indígena e membro da Academia Brasileira de Letras, à radio "Brasil de Fato", traz uma profunda reflexão sobre o atual cenário ambiental do Brasil e suas raízes culturais. Para Krenak, a aparência das queimadas criminosas não é um fato isolado, mas uma consequência de uma política irresponsável e negligente. Ele observa que “não temos mais céu azul”, já que a fuligem encobre o país e provoca chuvas ácidas, como é o caso de São Paulo. O intelectual aponta a falência de uma visão cartesiana e desenvolvimentista de futuro, enfatizando que a humanidade precisa compensar sua relação com o planeta. Ao buscar o desenvolvimento a qualquer custo, Krenak sugere que devemos nos "envolver com a biosfera da Terra", adotando uma filosofia de "decrescimento" em vez de progresso incessante.
Um dos pontos centrais da entrevista é a ideia do "futuro ancestral", conceito que Krenak discute em diversos benefícios. Para ele, esse termo não significa uma simples projeção do futuro, mas sim um resgate das sabedorias ancestrais, uma conexão com o passado para construir um futuro sustentável. Ele critica a forma como o termo vem sendo banalizado, mencionando como outros grupos étnicos e até mesmo movimentos culturais, como o álbum de Alok, se apropriaram do conceito sem compreender sua profundidade. "A história do nosso país tem um passado imenso pela frente", cita Krenak, ecoando as palavras de Millôr Fernandes para enfatizar a importância de se reconectar com as tradições e culturas que moldaram o Brasil antes da colonização.
Essa visão contracolonial é essencial para entender a crítica de Krenak ao estado atual do meio ambiente. Ele argumenta que a destruição das florestas brasileiras, que afeta diretamente o modo de vida indígena, é uma continuação do processo colonizador. Para ele, o “futuro ancestral” representa uma ruptura com a narrativa colonizadora de exploração, sendo uma nova epistemologia. Nessa perspectiva, autores como Nego Bispo e Conceição Evaristo são referências como influências que acompanham a visão de Krenak sobre a circularidade do tempo e a resistência cultural dos povos não colonizados.
No que diz respeito à reversão dessa "cultura deletéria", Krenak é cauteloso ao avaliar a atual gestão do governo Lula. Embora elogie nomes como Marina Silva e Sônia Guajajara, reconhecidas defensoras ambientais, ele acredita que o país ainda está profundamente dividido. A polarização política, somada ao legado destrutivo deixado pelo governo anterior, dificulta uma transição real para uma política mais respeitosa com o meio ambiente. Krenak sugere que a pacificação política e social ainda está distante, e que é necessário tempo para avaliar qualquer mudança substancial.
Além de suas reflexões sobre o meio ambiente, a entrevista destaca o encontro de Krenak com a cantora Lia de Itamaracá, no evento Mátria Amada. Ele descreve esse encontro como poético e simbólico, especialmente quando Lia modificou a letra de uma canção para brincar com a ancestralidade indígena, trocando "dorme pretinha" por "dorme indinho". Esse momento lúdico e significativo reforça a conexão entre culturas populares brasileiras e a resistência indígena, elementos que se entrelaçam na visão de Krenak sobre a preservação cultural e ambiental.
Outro aspecto discutido é a percepção do público sobre Krenak após sua entrada na Academia Brasileira de Letras. Ele reconheceu que sua nomeação trouxe uma nova visibilidade à literatura indígena, que antes era subvalorizada e relegada a uma posição marginal. Krenak menciona autores como Eliane Potiguara e Daniel Munduruku, que, nas últimas décadas, ajudaram a consolidar a presença da literatura indígena no Brasil. “É muito pouco tempo”, observa ele, referindo-se à jovem tradição da literatura indígena escrita no país, que começou a ganhar espaço nos últimos 25 anos.
Por fim, Krenak reflete sobre a importância de importância do passado para construir um futuro viável. Ele enfatiza que a preservação dos saberes ancestrais é crucial para que a humanidade aprenda a “habitar a terra” de maneira sustentável. "Nós não somos máquinas", conclui ele, reforçando a necessidade de uma reconciliação entre o homem e a natureza, que só será possível por meio de uma mudança profunda de mentalidade e de práticas. Nesse sentido, a literatura e a oralidade indígena são ferramentas fundamentais para esse processo de reeducação e transformação.
Essa entrevista, rica em reflexões filosóficas e críticas sociais, coloca Ailton Krenak como uma das vozes mais relevantes no debate ambiental e cultural contemporâneo. Ao responsabilizar o governo Bolsonaro pelo estado atual do Brasil, Krenak também nos convida a refletir sobre o papel de cada um na preservação do planeta e na busca por um "futuro ancestral". Como bem colocou Nego Bispo, citado por Krenak: "O futuro ancestral é contracolonial, é uma ruptura com a narrativa da destruição" .
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