Por Sergio Tamer*
Depois de repetir como um mantra que a seca, a estiagem, a mudança climática, enfim, eram as responsáveis pelo fogaréu que queimou 60% do território nacional – Pantanal e Amazônia inclusos – o Ministério do Meio Ambiente (ele existe!), e setores governamentais, passaram a admitir, ultimamente, a origem criminosa dos incêndios…
Mas essa apatia governamental no tocante às queimadas na Amazônia e em outros santuários ecológicos, como o Pantanal, e em que pesem todos os alertas que vêm sendo emitidos, sistematicamente, por diversos institutos, nomeadamente pelo INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, veio se agravando ao longo dos anos e tomou proporções jamais vistas neste período!
Aliás, o que vimos presenciando é a absoluta ausência de um discurso firme e sem ambiguidades, por parte das autoridades governamentais, incluindo os governadores dos estados. A impotência na fiscalização por parte dos órgãos federais – que carecem de apoio material e efetivo, também joga contra a natureza. Tudo isso, aliado ao clima seco desta época, vem agravando a devastação florestal, pois permite que criminosos de todos os matizes se aproveitem dessa inominável omissão para tocar fogo no campo e nas florestas!
A Constituição Federal impõe o dever de agir às autoridades constituídas! O artigo 225, ao garantir que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, determina, também, “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. E ao tratar especificamente sobre a Amazônia brasileira, em seu parágrafo 4º, dispõe que “A floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”
A violação às claras do preceito Constitucional não pode ser passivamente tolerada, pois o seu mandamento está acima das paixões políticas e partidárias e a sua obediência é devida por todo e qualquer governo, jamais ficando adstrita à discricionariedade dos Poderes Públicos. A ordem constitucional está em perigo pela falta de efetividade das suas normas, especialmente os direitos fundamentais ao meio ambiente.
O desenvolvimento do Brasil passa pela preservação e pelo desenvolvimento da Amazônia, pela implantação de um modelo de desenvolvimento econômico que respeite e preserve o meio ambiente conforme os ditames constitucionais. Há muitos caminhos para o progresso da Região privilegiando-se os recursos tecnológicos e científicos mais avançados mediante o equilíbrio ambiental. A bioprospecção e a bioindústria, apoiada em recursos genéticos regionais, a inovação tecnológica e a exploração científica, devem ser alguns desses caminhos para a riqueza e o desenvolvimento sustentável.
A Amazônia é um território complexo, de importância nacional e mundial e que possui três grandes conjuntos estratégicos: o patrimônio biológico; o patrimônio hidrológico; e o patrimônio geológico. Nenhuma exploração econômica, nesse cenário, poderia ocorrer sem planejamento e política pública de fiscalização e controle, sob pena de comprometer a preservação do meio ambiente. Os povos indígenas e as populações tradicionais, detentores que são de apreciada riqueza étnica e cultural também estão tendo os seus direitos constitucionais desrespeitados. As nações civilizadas jamais poderiam conviver, passivamente, com essa agressão socioambiental.
O flagrante e deliberado descumprimento da lei e da ordem ambiental, pela ineficácia das políticas públicas de controle, requer uma tomada de posição por parte dos poderes constituídos da República. Basta lembrar que o Alto Comissariado das Nações Unidas sobre Direitos Humanos considera o meio ambiente um dos seis temas transversais de direitos humanos, ao lado da dignidade e justiça, desenvolvimento, cultura, gênero e participação.
O Judiciário brasileiro já reafirmou o direito à integridade do meio ambiente como direito humano fundamental, e sendo assim há uma prerrogativa de titularidade jurídica coletiva, atribuído à própria coletividade social. Entidades como as seccionais da OAB da Região amazônica devem também adotar uma postura altiva e assumir essa titularidade jurídica coletiva da mesma forma que o Ministério Público Federal. Por seu turno, o Congresso Nacional, as Assembleias estaduais e municipais, as Universidades, os meios de comunicação e todas as demais instituições com responsabilidade social deveriam debater, conscientizar e exigir o cumprimento da Constituição em defesa da Amazônia, do Pantanal e demais áreas criminosamente devastadas pelo fogo! Mereçamos, com ações e atitudes, esse patrimônio que a mão da História colocou em solo brasileiro!
Sergio Tamer é professor e advogado, presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública
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