João Ewerton, membro da Academia Poética Brasileira.
O amanhecer sobre o Rio Amazonas é algo grandioso. Aliás, essa região tem o dom de tornar tudo imponentemente titânico, exuberante, único e grandioso. Assim é o sol do Amazonas, que intensifica o calor, evidenciando a umidade relativa do ar, que se manifesta em forma de suor na pele morena dos nativos ou dos visitantes pálidos, que em pouco tempo estarão com suas peles níveas ardendo, como se abrasadas por um ácido, exibindo uma cor semelhante à de um siri cozido, com o casco vermelho como brasa, que nos faz sentir seu ardor apenas ao vê-la sob a luz do sol.
O amanhecer, assim como o ocaso sobre o Amazonas, é um espetacular show de efeitos especiais produzidos por uma inteligência sobrenatural, divina. Nenhuma inteligência artificial, com seus efeitos de tirar o fôlego, conseguiria reproduzir essas dimensões e proporções por milhões de anos, todo santo dia, sem jamais se repetir. Isso ocorre da mesma forma que acontece com as nuvens, as gotas de chuva ou o som que elas produzem, sempre funcionando sob o mesmo comando extraordinário, que jamais permite repetições.
No dia 28 de junho de 2024, foi a primeira vez que vi o dia nascer refletido nas águas exuberantes e fluentes do maior rio do mundo em volume de água. Só isso já bastaria como um momento de singularidade preciosa, que poucos seres puderam experimentar neste planeta sagrado.
Essa grandiosidade mágica e hipnotizante me remeteu ao passado, imaginando como meu avô, um trovador, teria sentido a poesia extraordinária daquele momento mágico em sua viagem de despedida do estado do Amazonas e da cidade de Manaus, lugar que ele tanto amava. O que lhe teria ocorrido em versos sentidos de profunda melancolia? Talvez até tenha derramado um pranto discreto, para que ninguém percebesse que um homem estava chorando.
Só de imaginar isso, diante daquele cenário cada vez mais colorido e incandescente, à medida que o sol fazia as cortinas de nuvens se abrirem como num palco iluminado, fico pensando em como tantas etnias estariam vendo aquele espetáculo de suas comunidades, pela floresta adentro. Cada uma observando ou talvez adorando e agradecendo por mais um dia, ou até pela magia da vida, conforme entendem o seu sentido sagrado de estar vivo, diferente de nós, seres urbanos, muitas vezes desprovidos do senso de gratidão pelas bênçãos que recebemos a cada segundo, sem ao menos termos consciência disso. Muito menos pensamos em agradecer pela magia da vida e pelos espetáculos que Deus nos prepara diariamente, independente do nosso grau evolutivo.
Quanta beleza e riqueza neste país, enquanto muitos brasileiros preferem ir para Miami comprar bugigangas que o “Ali Express” vende no Dropshipping, e morrem sem conhecer essas maravilhas que dispomos que deixam os turistas em estado de êxtase.
Diante desse turbilhão de devaneios, volto minha atenção à impressionante velocidade da Madame Crys, que permanece com seu motor a milhares de rotações por minuto, impulsionando a moderna embarcação a uma velocidade absurda. De vez em quando, parece que o casco metálico da lancha se choca contra algo atravessado no rio, e pelo barulho do impacto, imagino a possibilidade de estarmos atropelando uma sucuri gigante que estivesse nadando. O som parecia mais um impacto contra um corpo compacto de músculos do que contra um tronco de madeira ou algo assim. Por algumas vezes esse choque se repetiu, mas a Madame Crys continuou sua viagem sem dar tempo de quem foi atropelado anotar sua placa de alumínio espesso.
Olho para as margens do rio, onde as florestas seculares se erguem imponentes acima de grandes paredões de tabatingas coloridas, complementando o primeiro plano do extraordinário cenário que o dia revela, em padronagens nítidas e multicoloridas. Quanta grandiosidade, meu Deus! Não apenas pela proporção das árvores, nem pelo esplendor do arrebol, mas pelo contexto inteiro que nos remete a um templo sagrado, onde folhas e águas guardam dentro de si os maiores segredos e mistérios, que a raça humana jamais descobrirá por completo, ou sequer uma mínima parte. Coisas que só o Criador conhece em sua totalidade.
Tudo isso me faz voltar minha imaginação para antes do meu avô, para imaginar como os primeiros navegantes portugueses se sentiram ao adentrar aquele universo singular e grandioso, sendo eles oriundos de um país minúsculo como Portugal. Como teria sido a ambição desses invasores sedentos por riquezas fáceis, dispostos a massacrar quem quer que tentasse impedi-los de lançar mão do ouro, pedras preciosas ou qualquer outra riqueza que desejassem tomar posse?
Não sei como a ganância desses ladrões inescrupulosos se manifestou em seus peitos frios, mas tenho certeza de que a grandiosidade amazônica os atordoou bastante. Isso se revela na construção das fortalezas ao longo das margens do rio Amazonas, como a fundação da cidade de Manaus, diretamente ligada a essa estratégia colonial portuguesa para consolidar o domínio na Amazônia, uma região que, até então, eles pouco conheciam.
Diante dessa realidade, trataram de proteger a região das incursões estrangeiras, como a colonização francesa no Maranhão, que impactou profundamente os portugueses ao se depararem com uma colônia francesa em terras brasileiras, em 1612, revelando a vulnerabilidade do vasto território brasileiro, especialmente da região amazônica, até aquela época praticamente inexplorada, desconhecida por eles, que já estavam no Brasil a 112 anos e não haviam tomado posse do Maranhão e desta região toda.
Foi só então que a Coroa Portuguesa decidiu estabelecer uma administrativa e militar mais sólida na região, para impedir que outras potências colonialistas, como holandeses, espanhóis e os próprios franceses, invadissem essas terras. Foi dessa iniciativa que partiu a decisão de construir fortalezas no Amazonas, entre elas, o Forte de São José da Barra do Rio Negro, em 1669, marco inicial da futura cidade de Manaus.
A fortaleza do Rio Negro foi construída por determinação do governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Capitão-General Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, sendo uma das quatro fortificações erguidas pelo maranhense capitão Francisco da Mota Falcão às próprias expensas, nos sítios que lhe fossem indicados, em troca da mercê do governo vitalício de uma delas. As quatro fortalezas erguidas pelo Capitão Francisco da Mota Falcão foram: O Forte de São José da Barra do Rio Negro, Forte do Paru de Almeirim, Forte de Santo Antônio dos Pauxis de Óbidos, e Forte dos Tapajós de Santarém. Após o falecimento de Francisco da Mota Falcão, em 1697, seu filho, Manuel da Mota Siqueira, deu continuidade à construção dessas fortificações.
A importante fortificação da região do Rio Negro não apenas garantiu o controle português sobre o Amazonas, mas também serviu como ponto de partida para o desenvolvimento de um núcleo populacional em torno dele, que se consolidaria ao longo dos séculos como um importante centro colonial que origina a cidade de Manaus, a qual foi fundada em 1669, tornando-se a cidade mais importante da região.
Posteriormente, durante o ciclo da borracha, Manaus ficou conhecida como a "Paris dos Trópicos", devido ao luxo de sua arquitetura europeia, atraindo investimentos estrangeiros e imigrantes de várias partes do mundo. Com esse apogeu financeiro, a cidade tornou-se mundialmente conhecida e, até hoje, exerce significativa influência nacional e internacional, tanto em questões ambientais quanto como importante polo cultural e econômico.
Logo após o nascer do sol, o pessoal de bordo da Madame serviu um delicioso café da manhã, numa bandeja individual, contendo um sanduiche misto, um pedaço de bolo de aipim, uma banana e um copo com café puro, ou com leite, conforme a preferência do passageiro.
Esse serviço de bordo me fez lembrar dos tempos em que o Brasil tinha o melhor serviço de bordo do mundo, e nos serviam no aviões, refeições de qualidade com louças dignas e taças de cristal, até o satanás inventar a Gol, que entrou com sua mentalidade miserável do inferno, retirando toda essa qualidade em troca de uma passagem mais barata, até o dia em que todas as outras companhias retiraram o serviço de bordo, e a Gol passou a cobrar a passagem mais cara do que todas as outras companhias, e hoje vende um monte de fast food de última qualidade, o verdadeiro “lixo” diante das dietas saudáveis, por um preço de comida de restaurante seis estrelas.
Nem preciso dizer que abomino a Gol, por conta dessa desgraça em que ela transformou o transporte aéreo brasileiro.
Mas voltando à bordo da Madame Crys, às 9 horas fizemos uma pequena parada no cais do Porto de Itacoatiara, para que um grupamento da Polícia Hidroviária Estadual, fizessem a revista dos passageiros, o que acabou sendo apenas uma visita cordial aos passageiros sem sequer pedir qualquer documento, por tratar-se de uma embarcação de luxo, o que vamos voltar a falar quando eu relatar a revista feita pelo grupamento da Polícia Hidroviária do Pará no Estreito de Breves, fato que a passageira que estava ao meu lado já havia me alertado, quando eu comentei sobre a cordialidade e rapidez da visita dos policiais hidroviários.
Mín. 17° Máx. 25°