João Ewerton, APB-MA
Em dado momento, a música empolgante que ambientava a confortável viagem pelo rio Amazonas me chamou a atenção pela invocação ancestral, contida numa na frase que um locutor com voz muito solene e grave, declamou na abertura da toada: “O Tambor da Terra” do boi Caprichoso, que dizia:
— “América, quem assim te chamou, foi quem te feriu, pra nós tu és Pachamama!”
Essa afirmativa teve um impacto imenso sobre mim, revirando minhas memórias e me remetendo aos estudos que fiz sobre os povos indígenas das Américas durante 15 anos, quando buscava fundamentar uma fase do meu trabalho de desenho, a qual acabei intitulando "Tupygrafia", após ter lido sobre os Maias, Astecas, Toltecas, Olmecas, Incas, Cunas, e muitas etnias que desde o Xingu até o alto Amazonas. Fiz novamente uma viagem pela riqueza infinda dos conhecimentos extraordinários dessas civilizações, que ainda hoje desafiam a ciência e as religiões com seus legados intricados, repletos de tecnologias desconhecidas, soluções arquitetônicas surreais, além dos geogrifos desafiadores, como as Linhas de Nazca, no Peru, e os do Acre, aqui no Brasil.
"Pachamama" é uma palavra de origem quíchua e aimará que pode ser traduzida como "Mãe Terra" ou "Mãe do Mundo". A palavra é composta por "pacha", que significa "terra", "mundo" ou "universo", e "mama", que significa "mãe". Na cosmologia andina, Pachamama é a deusa que representa a natureza e a fertilidade, sendo venerada como a divindade da terra que sustenta a vida. Ela é central na cultura e espiritualidade dos povos indígenas dos Andes, especialmente no Peru, Bolívia, Equador e Argentina.
Essa invocação poderosa trouxe novamente à minha alma o sentimento de americanidade que estava um pouco adormecido, sentimento esse que me acalentou durante muitos anos da minha juventude, embalado pelos livros de arqueólogos e historiadores, como Os Incas - Hiram Bingham (1970), A Civilização Maya de Robert M. Rosenswig, publicado em 1973, O Mundo dos Astecas de Earl Shorris, de meados de 1976, e até o famoso Eram os deuses astronautas?, do suíço Erich von Däniken, além da mirabolante Viagem a Ixtlán de Carlos Castañeda, do ano de 1972.
Esse universo de histórias fez a palavra "Pachamama", soar como se fosse um mantra sagrado, que me levou, em poucos segundos, a pairar sobre a imensidão dos céus amazônicos, os quais, melhor do que qualquer outro lugar, representam essa grandiosidade da mãe do mundo.
Em nenhum outro lugar deste planeta, nem mesmo nos maiores desertos e seus confins desconhecidos, habitam tantas possibilidades de civilizações surpreendentes como neste universo amazônico de águas e folhas infinitas.
Embevecido pelo encantamento das histórias que rememoro, olho para as margens distantes do gigantesco Amazonas e vejo as árvores seculares, que a grandiosidade das águas torna em uma minúscula muralha verde, por detrás da qual pode estar oculto o rastro de civilizações arrojadas, como a que habitou as ruínas exploradas pelo antropólogo norte-americano Michael Heckenberger em 1992, onde gigantescos assentamentos eram conectados por estradas com mais de 20 metros de largura e muitos quilômetros de extensão.
Imagino que por detrás daquela fortaleza vegetal pode estar oculta até mesmo a Paititi, o Eldorado, ou a mitológica Ratanabá, supostamente, assim como o Eldorado, ligada pelo "Peabiru", a misteriosa rede de trilhas e caminhos que foi utilizada por povos indígenas para comércio e migração entre diferentes regiões da América do Sul, conectando áreas que hoje pertencem ao sul do Brasil até o Paraguai e o Peru, sem que se saiba sua origem exata, embora muitos estudiosos acreditem que tenham sido construídos e utilizados por diversas etnias indígenas ao longo dos séculos.
Sem localização precisa nessa imensidão amazônica, Ratanabá, a cidade da mais alta tecnologia, com uma extensão gigantesca, dispunha de uma rede de túneis subterrâneos que conectaria diversas regiões do continente. Além de seus tesouros e da sabedoria perdida, falava-se até mesmo de contato com seres de outros mundos, pois ela teria sido construída com a ajuda de civilizações extraterrestres, ou seus habitantes teriam ligações com civilizações míticas como Atlântida, o que a manteria oculta por forças desconhecidas no meio da densa vegetação da floresta amazônica, impedindo sua descoberta.
Diante dessas divagações, vislumbro a grandiosidade das imagens lendárias criadas sobre a Amazônia, essa gigantesca parte do planeta, ao meu ver, o local da alma e do coração das Américas, por ter sido a base das maiores e mais importantes civilizações que as habitaram, ou até quem sabe, ainda as habitam. Saint Germain, em seu "Livro de Ouro", cita uma cidade no interior do Amazonas, no encontro de dois grandes rios, onde ele descreve detalhes de uma sala de reunião, com paredes forradas com lâminas espessas de ouro sobre revestimento de jade polido, equipada com elevadores ultramodernos, além de sistemas de comunicação desconhecidos aqui na Terra. Essa cidade estaria em outra dimensão, embora ele faça questão de se referir a outra cidade de mesma magnitude, que teria entrado em colapso por conta de um erro grave de seu gestor — a cidade que Michael Heckenberger explorou em 1992.
Enquanto todos a bordo da lancha a jato se deleitavam com a cerveja gelada disposta num freezer, e com o bom churrasco preparado numa churrasqueira instalada no final da popa, eu permanecia divagando em pensamentos que me conduziam sob um grande impacto emocional, fazendo-me retornar ao meu passado recente, revivendo meus estudos teóricos e os esboços dos desenhos, cujos objetivos estéticos pretendiam se firmar nos princípios estéticos dos meus ancestrais indígenas.
Ao recordar a história que estudei dos povos originários da América Latina, assim como a rica carga de conceitos estéticos aprendidos com os incas, astecas e carajás, entre tantos que viveram por aqui ou permearam a Amazônia de alguma forma, fiquei me questionando por quê deixar de usar as infindáveis histórias das civilizações sul-americanas ou das milhares de lendas amazônicas repassadas de geração em geração pelos povos de matrizes indígenas, para colocar o nome desse rio e dessa região baseado na mitologia grega. E o que é pior, baseado numa mentira que um vigarista inventou. Uma aberração fantasiosa, baseada na mitologia grega, que negava, inclusive, a descrição real das mulheres de matrizes indígenas amazonenses. Fico imaginando a quem esse frei servia se o evangelho diz que, a mentira é a única criação de satanás.
Para quem não sabe, a escolha do nome “Amazonas” para o rio e para a região se atribui ao explorador espanhol Francisco de Orellana, que, em 1541, desceu dos Andes numa expedição pelo grande rio, percorrendo toda a extensão do rio Amazonas, saindo de "Ciudad de los Reyes", onde hoje se encontra Lima, a capital do Peru.
Orellana fazia parte de uma grande expedição liderada pelo espanhol Gonzalo Pizarro, irmão de Francisco Pizarro, que tinha como objetivo explorar as terras a leste dos Andes, em busca de roubar as riquezas dos nativos, tanto ouro, quanto especiarias.
Esses espanhóis estavam alucinados por encontrar o lendário "Eldorado" – Paititi, e da "Terra da Canela" (um local supostamente rico em especiarias).
No entanto, eu tenho sérias convicções que esses lugares arrebatadores foram inventados pelos nativos com o único intuito de fazer esses saqueadores cruéis se desgraçarem pelo meio das florestas, pois os nativos conheciam muito bem as armadilhas que a natureza apresenta no meio da selva, mesmo para eles que a conheciam tão bem. Dessa forma, eles iam se livrando de muitos deles, principalmente dos mais ambiciosos, que normalmente eram os mais cruéis para com os nativos.
Dispostos a saquear Paititi, a expedição de Francisco de Orellana partiu de Ciudad de los Reyes, atravessando a Cordilheira dos Andes e adentrando a floresta amazônica.
Em determinado ponto da jornada, Pizarro e Orellana se separaram. Orellana, comandando um grupo menor, seguiu pelo rio Napo, um afluente do Amazonas.
No período previsto para retornar, devido às fortes correntezas e ao pequeno número de homens da expedição, Francisco Orellana não conseguiu voltar ao ponto de encontro com Pizarro, e teve como única alternativa continuar descendo o curso do rio até que alcançou o rio Amazonas, se tornando a primeira expedição a atravessar toda a extensão do Amazonas, desde suas nascentes nos Andes até sua foz no Atlântico, onde ele chegou em 1542.
Essa viagem de mais de 7.000 quilômetros revelou o vasto tamanho do rio e suas margens habitadas por várias tribos indígenas, algumas das quais teriam inspirado o nome "Amazonas".
O relato da expedição, registrado pelo Frei Gaspar de Carvajal, responsável por fazer o diário da viagem de Orellana, descreveu um encontro com uma tribo de mulheres indígenas que eram ferozes combatentes. Todas elas eram brancas, altas, musculosas e hábeis com o arco e flecha — guerreiras que lutavam com grande destreza, semelhantes às lendárias amazonas da mitologia grega. Eram portanto, semelhantes às amazonas gregas, descritas na mitologia como mulheres guerreiras impiedosas, que não suportavam a presença dos homens, usando-os apenas para procriar. Contudo, se nascesse uma menina, havia festa, mas se nascesse um menino, ele era morto ou enviado para que o pai o criasse.
Esse diário de bordo do Frei Gaspar de Carvajal teve um grande impacto na Europa, e o rio, que até então era chamado de Mar Doce, passou a ser denominado Rio Amazonas — nome que posteriormente foi dado a todo o território dessa região.
A palavra "amazonas" tem origem no grego antigo e, embora existam várias interpretações sobre o significado etimológico do termo, a mais comum é que a palavra seja composta pelos elementos "a-" (prefixo de negação) e "mazos" (seio), significando literalmente "sem seio", pois, segundo a lenda, as amazonas removiam o seio direito para facilitar o uso do arco e flecha.
Embora os relatos do Frei Carvajal e de Francisco Orellana tenham sido contestados posteriormente, quando desbravadores descobriram que as supostas amazonas eram, na verdade, as bravas guerreiras das tribos Icamiabas, localizadas às margens do rio Nhamundá, o nome "Amazonas" permanece até hoje.
Embora a região amazônica seja tão poderosa a ponto de ressignificar a palavra “amazonas”, eliminando o sentido de “amputado” para fazê-la assumir um conceito bem opulento e grandioso, ainda assim, acho que essa região poderia ter recebido o nome das “Pachamamas”, daquelas lendárias Guerreiras Ameríndias, que ficaram ocultas no âmago desse titânico mundo das águas e das folhas amazônicas. Grandes mulheres arrojadas que não têm os seios extirpados, mas, ao contrário, os têm fartos e belos como pomos sagrados, prontos para amamentar um planeta inteiro, pois sustentam as suas crias e tudo aquilo que a natureza for capaz de gerar. Essas aguerridas e poderosas mulheres lendárias também não precisam de arco nem flecha, uma vez que não entram em confronto; apenas espreitam os seus oponentes, ocultas entre as ramas dos igapós ou mergulhadas até os olhos nas águas serenas dos igarapés, prontas para acertá-los com a seta sagaz das suas zarabatanas certeiras, impulsionada por um sopro silencioso, ágil e letal.
Respiro profundamente, olho à minha volta, tentando me situar novamente na viagem, na Madame Crys, que parece um raio cortando as águas do velho Mar Doce.
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