Paulo Urban (Resumo: é médico psiquiatra e criador de sua própria abordagem psico-clínica, a Psicoterapia do Encantamento, que se traduz num processo de peregrinação interior cujo maior propósito é o de fazer vir à tona - trazer à consciência - toda a Mitologia Pessoal que cada um de nós traz na alma, desde o sagrado instante de nosso nascimento, matricialmente constelada).
Imagem: "Le Semeur" (O Semeador), de James Tissot (1836-1902), original do texto publicado no Facebook (06. novembro de 2024).
"Intenção e Autoestima", Parte I
Toda cura exige, pois, desde a raiz, essa intenção em germinar, aspecto este que diz respeito à magia pessoal que, por sua vez, traduz o esforço voltado para que a semente da autoestima se desenvolva e frutifique de forma a mais saudável (Paulo Urban).
De início custei a aceitar, fiz-me cego de teimoso. Ingenuamente acreditava pudesse tratar a todos, curar quiçá o mundo inteiro, como se dependesse exclusivamente de minha vontade resgatar toda e qualquer alma perdida pelos vales mais sombrios. Vã pretensão! Desfeito o ideal romântico do médico-todo-poderoso, confesso-o abertamente, ao longo de minhas décadas de clínica meus fracassos já me ensinaram muito mais do que minha presumida dose de acertos. Além disso, vale notar que pouco aprendemos com os casos em que logramos êxito; estes, pelo contrário, podem inclusive reforçar certas convicções errôneas que trazemos, a ponto de que, por vezes incautos, nem venhamos a questionar se não seriam justamente nossas certezas os maiores equívocos a dificultar certas curas.
Cuidado assim evitaria grande desperdício de energia, seja por parte do médico que insiste em bater na tecla errada, seja pela de seus pacientes que nada se esforçam em nome de sua cura. A bem da verdade, só mesmo no transcorrer do sincero ensaio terapêutico é que vamos passo a passo nos burilando, fato este que nos põe também mais criteriosos na escolha de nossos pacientes, mesmo porque resta impossível acolher a todos na temerária promessa de os curar; além de ser humanamente impossível fazê-lo, nem sempre os pacientes querem o fim de suas neuroses, principalmente quando estas já se consolidaram como aquisição de luxo, espécie de bicho de estimação da alma adoentada.
É preciso ter em mente que há sempre um limite para toda ajuda possível. O exercício da clínica faz sedimentar cada vez mais menores pretensões em relação ao outro, sejam estas psicopedagógicas ou psicoterapêuticas. Só o traquejo clínico nos protege da leviandade de desperdiçarmos maiores esforços com os tipos mais manipuladores, que sequer trazem consigo a honesta intenção de se tratar. Nem sempre o psicoterapeuta será o idealizado salva-vidas para os neuróticos mais recalcitrantes, desses que preferem debater-se feito peixe fora d'água a fim de obter proveito secundário com sua encenação, em lugar de desejar o mais alto bem legítimo: suas curas de verdade.
Por isso é imprescindível desde o início procurar pela semente anímica, a fim de percebê-la, de bem a observar. Tal qual ensina a parábola, faz-se mister saibamos discernir a alma sofredora pela qual podemos honestamente fazer algo, daquela outra já estéril, que não deixará prosperar semente alguma, vide seu solo rochoso, por vezes um deserto desolado.
Toda cura exige, pois, desde a raiz, essa intenção em germinar, aspecto este que diz respeito à magia pessoal que, por sua vez, traduz o esforço voltado para que a semente da autoestima se desenvolva e frutifique de forma a mais saudável. Parafraseando o mestre, nenhum esforço vale a pena se a alma é das pequenas".