Por Mhario Lincoln
No turbilhão de produções cinematográficas e literárias que atravessaram o século XX e adentraram o XXI, poucos nomes resistem ao tempo com a força simbólica de Charles Chaplin e J.J. Benítez. Dois criadores de universos tão distintos, mas unidos pela peculiaridade da capacidade de surpreender e inquietar gerações.
Charles Chaplin, imortalizado na pele de Carlitos, retornou à cena em minha vida de cinéfilo ao me deparar, em um sebo de aeroporto, com a coleção especial da obra do artista lançada em 2012 pela Folha de S. Paulo. Em meio a esses clássicos, reencontrei 'Em Busca do Ouro' (1925), filme que, por vezes, fora rotulado apressadamente como comédia pastelão. A redescoberta, contudo, revelou camadas que, décadas antes, haviam me escapado.
Filmado em plena efervescência do cinema mudo, o longa retrata a saga de um Carlitos garimpeiro enfrentando as agruras da Corrida do Ouro no Alasca, em 1898. O cenário gélido e inóspito, permeado pela ganância dos mineradores, desenha um pano de fundo que, longe do escapismo cômico, exala amargura e crítica social. As cenas da tempestade de neve e o romance conturbado com Georgia (vivida por Georgia Hale) qualificam uma narrativa de sobrevivência, onde a fome e a luta pela dignidade se sobrepõem ao riso fácil.
Impossível esquecer a antológica sequência em que Carlitos e Big Jim McKay (Mack Swain) se alimentam de um sapato, degustando os cadarços como espaguetes. Ou ainda a icônica dança dos pãezinhos, em que Chaplin transforma o desespero em poesia visual. No dizer do crítico Roger Ebert, "Em Busca do Ouro é um exemplo supremo da comédia visual como arte elevada, sustentando-se não apenas pelo riso, mas pelo humanismo" (Chicago Sun-Times, 2003).
Outro elemento que salta aos ouvidos é a trilha sonora. As melodias românticas que embalam as cenas entre Carlitos e Georgia imprimem ao filme um tom melancólico, distanciando-o da mera comédia slapstick e inserindo-o na esfera das obras que transcendem gêneros.
Atravessando o tempo e o espaço narrativo, saio de Chaplin para encontrar J.J. Benítez, outro nome que se impôs como divisor de águas na literatura de mistério e espiritualidade. Enquanto o primeiro voou sobre as cortinas do cinema para esculpir o humano com sua pantomima, o segundo escancarou as portas do imaginário literário com 'Operação Cavalo de Troia'.
Lançado originalmente em 1984, o livro projetou o jornalista espanhol ao reconhecimento internacional. A obra mescla ficção e realidade ao narrar a viagem no tempo de dois militares norte-americanos que testemunham, em primeira pessoa, os últimos dias de Jesus de Nazaré. Benítez sustenta que o relato foi baseado em documentos secretos obtidos junto à Força Aérea dos Estados Unidos. Verdade ou ficção? A dúvida alimenta o fascínio.
O impacto reside na descrição minuciosa dos costumes, das relações familiares e dos hábitos do povo da Galileia. As conversas do protagonista com Jesus subvertem expectativas, apresentando um homem sensível e sereno, distanciado da figura taciturna e distante difundida por séculos. Como afirma o próprio Benítez: "Só o futuro, como aconteceu com Júlio Verne, poderá mostrar se este relato foi ou não verídico".
É na ambiguidade que reside a grandeza de 'Operação Cavalo de Troia'. O desconcertante mistério que emana de suas páginas mantém o leitor refém, enquanto a narrativa desafia crenças e provoca reflexões sobre fé, ciência e poder.
Entre Chaplin e Benítez, o elo está na arte de provocar. Ambos convidam o público a se desacomodar, seja rindo para não chorar diante da miséria humana, seja questionando dogmas à luz de documentos que talvez nunca existiram. Nisso, a verdadeira busca por ouro – ou pela verdade – se revela interminável.
Cabe a todos nós, leitores e espectadores, aceitar o convite e atravessar as cortinas, com o olhar sempre atento ao que se oculta por trás da tela e das páginas.
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*Mhario Lincoln é Presidente da Academia Poética Brasileira.