(*) Editoria de Arte e Cultura da Plataforma Nacional do Facetubes.
"A citação de Ozires sugere que os próprios brasileiros nem sempre 'compram a briga' de promover seus autores – ao contrário de países que transformam seus escritores em emblemas nacionais".
Nenhum escritor brasileiro jamais recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. A pergunta “por que o Brasil nunca ganhou?” ressurge a cada anúncio anual dos laureados. Diversos fatores históricos, linguísticos e culturais podem ajudar a explicar essa ausência, desde a barreira do idioma português até a tímida projeção internacional de nossos autores. Especialistas ponderam motivos e hipóteses, evitando conclusões definitivas. O debate envolve desde o funcionamento da Academia Sueca e seu processo de indicações, até a análise de casos de grandes autores nacionais frequentemente lembrados como candidatos ao Nobel – mas que acabaram preteridos. Por Editoria de Arte e Cultura, Plataforma Nacional do Facetubes O histórico do Nobel de Literatura revela um viés geográfico e linguístico que pode ter desfavorecido escritores brasileiros. Quase metade dos 119 laureados até hoje pertence a apenas cinco países (França, Reino Unido, EUA, Alemanha e Suécia), e cinco idiomas europeus concentram cerca de 65% dos vencedores.
O português, idioma do Brasil, "é considerado periférico nesse cenário e rendeu apenas um Nobel até hoje – o do português José Saramago, em 1998". (estadão.com.br). Ou seja, nenhum autor de língua portuguesa fora de Portugal jamais foi laureado. "Essa preferência histórica por candidatos europeus e de línguas centrais sugere que o critério vai além do mérito literário: depende também de a obra alcançar os avaliadores suecos".(revistaursula.com).
Não se trata de falta de qualidade literária no Brasil, mas de obstáculos para inseri-la no circuito mundial. Entre os principais entraves está a barreira da tradução e da visibilidade internacional. A maioria das obras brasileiras não circula amplamente fora do país, sobretudo por falta de traduções para o inglês ou o sueco – línguas de trabalho comuns da Academia Sueca.
Um escritor brasileiro, para ser considerado “universal”, depende de versões de sua obra em idiomas de maior alcance. Sem isso, torna-se “invisível” para grande parte do mundo. A autora Hilda Hilst, por exemplo, é frequentemente citada como genial pela crítica brasileira, mas durante muito tempo teve apenas duas de suas obras vertidas a idiomas estrangeiros, o que inviabiliza qualquer reconhecimento amplo.
O Nobel premia o conjunto da obra; logo, é pouco provável laurear quem não foi devidamente lido fora de seu nicho linguístico. Em contraste, países hispanófonos vivenciaram o “boom” da literatura latino-americana nas décadas de 1960-70, exportando nomes como Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e Octavio Paz – todos laureados.
O Brasil, isolado pelo idioma, ficou de fora desse holofote. "Some-se a isso o fato de que, no imaginário estrangeiro, o país ainda é associado mais a carnaval e futebol do que à alta literatura; tal caricatura cultural dificulta a atenção internacional às nossas letras".('paginacinco.blogosfera.uol.com.br'.)
Em resumo: sem estruturas eficazes de difusão e tradução, muitos autores brasileiros permanecem desconhecidos no exterior, independentemente de sua excelência. Fatores culturais e estruturais internos também entram na discussão. Diferentemente de outras nações, o Brasil historicamente investiu pouco na promoção de seus escritores mundo afora.
Programas governamentais de apoio à tradução e participação em feiras internacionais foram esparsos. Críticos apontam ainda o baixo índice de leitura no país e a frágil valorização de nossos intelectuais como parte do problema. Um episódio ilustrativo foi relatado pelo engenheiro Ozires Silva: em conversa informal, um membro do Comitê Nobel afirmou que “vocês, brasileiros, são destruidores de heróis”, referindo-se à falta de apoio uníssono da sociedade aos seus talentos nacionais.
A citação de Ozires sugere que os próprios brasileiros nem sempre “compram a briga” de promover seus autores – ao contrário de países que transformam seus escritores em emblemas nacionais. Embora seja apenas um depoimento isolado, ele ecoa a ideia de uma certa desunião ou desinteresse interno que pode deixar nossos candidatos sem a força política e simbólica necessária para impulsionar uma campanha ao Nobel.
Há também peculiaridades no funcionamento da Academia Sueca que afetam a indicação de candidatos. O processo de escolha é sigiloso e pode parecer nebuloso. Sabe-se que todos os anos membros da Academia Sueca convidam pessoas qualificadas – "membros de academias de letras, professores de literatura, ex-laureados e dirigentes de associações de escritores – para indicar nomes para a premiação". (Estadão).
Ou seja, é preciso primeiro que algum brasileiro seja lembrado por essas entidades. Em seguida, a lista de indicados é analisada pela Academia, que seleciona o vencedor em reuniões a portas fechadas. As indicações oficiais permanecem em segredo por 50 anos antes de serem reveladas ao público.
Isso significa que só sabemos hoje de algumas candidaturas brasileiras antigas, e não das mais recentes. Mesmo assim, os arquivos já tornados públicos desmontam o mito de que “nenhum brasileiro jamais foi nem citado”. (Estadão). Na verdade, alguns brasileiros foram SIM, citados. O problema, portanto, não foi ausência total de candidatos, e sim que nenhum dos brasileiros indicados acabou eleito pelos jurados em Estocolmo.
A Plataforma Nacional do Facetubes teve acesso à lista exclusiva dos brasileiros; especialmente aqueles que mais chegram perto. Pelos dados acessados, o baiano Jorge Amado desponta como o que teve mais chances: acumulou impressionantes 19 nomeações entre 1968 e 1973, graças ao enorme sucesso internacional de seus romances ambientados na Bahia. Poeta maior de Itabira, Carlos Drummond de Andrade também figurou na disputa com ao menos duas indicações, em 1967 e 1969.
Outro nome de peso, o gaúcho Érico Veríssimo, foi indicado duas vezes, em 1963 e 1968. Voltando ainda mais no tempo, até o escritor pré-modernista Coelho Neto (membro fundador da ABL) teve três nomeações em 1933. Maranhense, nascido em Caxias-MA, em 21 de fevereiro de 1864.
Nenhum deles conquistou o prêmio, mas o simples fato de constarem entre os indicados mostra que, em diversas ocasiões, a literatura brasileira esteve “na mesa” das discussões do Nobel. Mais recentemente, em 2016, a União Brasileira de Escritores chegou a indicar formalmente Lygia Fagundes Telles – importante dama das letras brasileiras – ao Nobel daquele ano. Lygia não venceu (e faleceu em 2022, tornando-se inelegível, já que o Nobel não premia postumamente, mas sua indicação reacendeu as esperanças de ver finalmente uma brasileira laureada.
Outros autores nacionais foram frequentemente lembrados por críticos e leitores como potenciais nobelizáveis, mesmo sem indicação confirmada. O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, por exemplo, ganhou projeção internacional ao receber prêmios como o Neustadt (1992), considerado uma espécie de “pré-Nobel” norte-americano, e especulava-se nos anos 1990 que ele pudesse ser nosso primeiro Nobel.
Infelizmente, Cabral morreu em 1999 antes que isso pudesse se concretizar. Nomes lendários como Machado de Assis (que morreu em 1908, nos primórdios do Nobel) e Clarice Lispector (faleceu em 1977) nunca tiveram chance real de figurar na premiação, mas são hoje reconhecidos mundialmente por sua contribuição literária.
Entre os que ainda viveram para ver seu nome cogitado, destacam-se Graciliano Ramos (autor de 'Vidas Secas'), Ariano Suassuna (de 'O Auto da Compadecida') e o próprio Jorge Amado – todos já falecidos – citados em listas informais de “merecedores” do Nobel.
Lygia Fagundes Telles, autora de clássicos como 'Ciranda de Pedra' e 'As Meninas', foi durante anos mencionada como nossa candidata natural, por sua carreira aclamada e traduções em várias línguas. Mesmo Raduan Nassar, escritor recluso de produção breve ('Lavoura Arcaica'), apareceu em especulações após vencer o Prêmio Camões em 2016.
Apesar de tantos escritores de alto nível, o Nobel de Literatura continua a escapar do Brasil. Contudo, analistas evitam atribuir essa falta a um único culpado. Provavelmente há um conjunto de fatores interligados – do isolamento idiomático à estratégia cultural limitada, da dinâmica interna do país às circunstâncias geopolíticas – que, ao longo das décadas, concorreu para esse resultado.
É importante lembrar que o prêmio laureia indivíduos, não países; e que não ter um Nobel não diminui a grandeza de uma literatura. Vários gênios universais nunca receberam o Nobel – casos de Jorge Luis Borges, Liev Tolstói, Marcel Proust, Virginia Woolf e James Joyce, entre outros – o que mostra que a honraria sueca não é o único termômetro de valor.
Talvez falte ao Brasil investir mais na tradução e promoção externa de seus autores, fortalecer o mercado interno de leitores e, quem sabe, contar com um pouco de sorte e timing histórico. Em suma, não há respostas simples ou definitiva para este caso, ora analisado.
Afinal, quando (e não “se”) um autor brasileiro finalmente subir ao palco em Estocolmo, será não uma surpresa, mas o coroamento de um longo processo de reconhecimento internacional.
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Fontes:
Queiroz, Julia. Por que o Brasil nunca ganhou o Nobel de Literatura? Veja quem já concorreu. Estadão – 05/10/2023
estadao.com.br
estadao.com.br
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Sá de Abreu, Marcelo. Por que o Brasil não tem um Nobel de Literatura: a necessidade da tradução. Revista Úrsula – 30/09/2023
revistaursula.com.br
revistaursula.com.br
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Casarin, Rodrigo. Por que o Brasil nunca ganhou o Nobel de Literatura? Mas ele merecia um? UOL/Página Cinco – 10/10/2019
paginacinco.blogosfera.uol.com.br
paginacinco.blogosfera.uol.com.br
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Izel, Adriana. Lygia Fagundes Telles é indicada pela UBE ao Nobel de Literatura. Correio Braziliense – 03/02/2016
correiobraziliense.com.br
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Fronteiras do Pensamento. Por que o Brasil nunca ganhou o Prêmio Nobel? – 17/07/2018
fronteiras.com