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Nauro Machado, um canto de ave em via de extinção? Responde Alberico Carneiro Filho, em texto significativo sobre o poeta

“Inquestionavelmente e inequivocamente Nauro deve ser uma (das) última (s) (grandes) voz (es) poética (s) do Maranhão e do Brasil depois de Gonçalves Dias, Sousândrade e Carlos Drummond. Que a posteridade o ratifique? Não estará senão fazendo jus a este canto de ave em vias de extinção” AF

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Alberico Carneiro Filho. O EM/1984
11/04/2025 às 11h08 Atualizada em 11/04/2025 às 17h47
Nauro Machado, um canto de ave em via de extinção? Responde Alberico Carneiro Filho, em texto significativo sobre o poeta
Arte: MHL

 

NAURO Machado com este "O Signo das tetas" tecnicamente perfeito e incomparável se o quisermos inteiro, mais se soma à galeria dos poetas maiores ou a si.

De Ezra Pound, Mallarmé, Apollinaire, Baudelaire. Valèry. T.S. Elliot, por exemplo, irmão.

Dir-se-ia que aqui estão somadas algumas conquistas do modernismo, do neomodernismo e do neoconcretismo, concretando a concepção eliotiana de que todo é a soma de artistas mortos aos quais acrescenta novas técnicas, como o faz Nauro Machado.

Por suas rimas inusitadas, por sua agressividade bárbara, irredutível. Por seu irreverente pensar a lembrar Li Po e Tu Fu. Nele o verbo é um 'látego de autopunição do ser imperfeito em si, matéria. Denúncia a vergastar quem nos fez imperfeitos e para a tragédia. (comédia) humana a nos advertir tal Tagore ou Su Tungpo de que de nossas aparentes limitações físicas somos capazes (possíveis) e nos superarmos na carne e à própria Criação, transmudando-nos em metamorfoses surpreendentes à maneira do Super-Homem de Nietzsche.

Rebelde, irreverente no pensar. Rascante, áspero no corte brusco, truculento de suas rimas propositalmente atonais, poeticamente bem elaboradas (com vênia ao pleonasmo) e que reifica em seu labor/atório poético que (já) vinha desvendando em gesta/ação em outras obrassímile como "As Orbitas da água", "O Calcanhar do Humano" e que resultaria nesta magnifica ópera, uma vertente transpiração que é o fulcro-fruto de toda uma catarse demiúrgica de um cio/ciclo de uma obra circular que vai cada vez mais convergindo em sua trajetória-ascese para a coroação e abrangência, a lembrar que toda obra de arte maior, tal a Odisseia, é peça de martelo e bigorna.

Uma das mais fortes vozes poéticas do Brasil, estranha, contundente, ímpar, quase inverossímil ele nos chega/chegará autêntico tal Safo, numa transparente sofisticação natural, como tal ou pérola que em si só transcende a qualquer sofisticação.

De todo destituído de maquiagens, neste poeta podemos sentir o real esforço os profundos e acertados sulcos dos níveis de leitura, de reflexão, de recriação de seus temas inesgotáveis no laborar poético.

Ele leu o melhor e nele se inseriu melhor como fazer, como em seu epitáfio que mais eu chamaria de cenotáfio.

 

EPITAFIO

"Marquei meu tempo no poema

Comigo e as minhas palavras

vivi o poema.

                       E estando morto

no eterno dia e na igual noite,

dia e noite nada sabendo

de minha vida no poema

(por sabê-lo mais eu que eu),

viva o poema.

O morto sou eu"

(de "O Signo das tetas". p. 10.

1984, Editora Nova Fronteira

Ao ler a poética de Nauro, primeiro aspecto que nos chama a atenção é a verticalidade. Se em Campo sem base", e Do Frustrado órfico" está já o poetar da linguagem e técnica próprias, com a peculiar perseguição do vocábulo, por outro lado há o flagrante hermetismo, o estrangular, o truncular, o labirintar que tanto o perseguirá e o atormentará pela pecha que lhe impuseram como de poeta de elites intelectuais ou para elites culturais. Mas, poderíamos lembrar com Maiakoviski que ao Estado caberia dar ao povo as ferramentas e meios necessários para que tenha acesso aos vários níveis de captação das Artes.

O poeta, no entanto; na medida em que vai-se tornando mais lúcido, rigorosíssimo em sua autocrítica que está presente ao longo de sua poética, em que ele se digladia palmo a palmo, corpo a corpo consigo mesmo, como esgrimista, num duelo mortal. E sempre, ao final não havendo vencido nem vencedor, mas identificação e acréscimo, continuidade e renovação. Assim, o poeta se redescobre renovado e nos convida a um périplo, a uma odisseia ou ulysseia como a lembrar Joyce que convida desafiadoramente a seus detratores por considerarem sua obra incompreensível (vide Assis Brasil). Se eu passei sete anos para escrever Ulysses..

 

A partir de "As Orbitas das águas", essa luta luz tenaz em aclarear-se, sem sair de um laboratório sofisticado de cristal, de diamante, que se torna cada vez mais sofisticado tecnicamente, na medida em que vai assumindo um compromisso, sem prejuízo do essencial, mas lucro, de puka linguagem aberta, está caracterizada e consolidada.

Na medida em que o poeta cresce em perfeição técnica, a linguagem de sua poética vai se clarificando em rumo a um coloquial shakespereano.

 

Transpiração? inspiração? iluminação? Nada. Labor. Disciplina. Técnica. Como um Valèry ou um Mallarmé ou um Apollinaire ou um Pound ou um Elliot ou um Rimbaud ele se insurge agressivo contra o marasmo provinciano que o não perdoa por se haver criado um aversor, um criador. Afinal um Poeta, um Vate, um Possesso.

 

Inquestionavelmente e inequivocamente Nauro deve ser uma (das) última (s) (grandes) voz (es) poética (s) do Maranhão e do Brasil depois de Gonçalves Dias, Sousândrade e Carlos Drummond. Que a posteridade o ratifique? Não estará senão fazendo jus a este canto de ave em vias de extinção.

 

É preciso que os ecólogos das letras reciclem o recenseamento poético, antes que os débitos ultrapassem as fronteiras dos originais.

 

ALBERICO CARNEIRO FILHO

(Caderno Alternativo de O ESTADO DO MARANHÃO, em 21.09.84)

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Raimunda Pinheiro de Souza FrazãoHá 1 semana São José de Ribamar Excelente texto sobre o grande Poeta Nauro Machado!
Leonardo Carvalho da MattaHá 8 meses Rio de Janeiro (IAPC)SE Nauro Machado, é um canto de ave em via de extinção? SIM. Difícil nascer outro. E os que chegaram perto, já subiram.
Celso CostaHá 8 meses DFExcepcional texto sobre o Nauro. Estou no Nirvana.
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