A trajetória intelectual de Jorge Mario Bergoglio (o Papa Francisco), falecido nesta madrugada, na Itália, sempre foi pautada pelos livros. Não por acaso, o jornal Corriere della Sera reuniu os títulos que mais marcaram o pontífice na coleção “La Biblioteca di Papa Francesco”, composta de vinte volumes.
Entre eles, dez formam o núcleo forte das leituras que, segundo amigos e biógrafos, moldaram a visão pastoral do primeiro Papa jesuíta e latino‑americano:
* Tardi ti ho amato, (Tarde te amei), de Ethel Mannin;
* Il Padrone del Mondo, (O Mestre do Mundo), de Robert Hugh Benson;
* Memorie dal Sottosuolo, (Notas do Subterrâneo), de Fiódor Dostoiévski;
* L’altro, lo stesso, (A outra, a mesma), de Jorge Luis Borges;
* Meditazioni sulla Chiesa, (Meditações sobre a Igreja), de Henri de Lubac;
* Il Racconto del Pellegrino, (O Conto do Peregrino), de Santo Inácio de Loyola;
* Sul Sacerdozio, (Sobre o Sacerdócio), de Santo Agostinho;
* L’Eneide, (A Eneida), de Virgílio;
* Cento poesie, (Cem Poemas) de Nino Costa;
* I Promessi Sposi, (Os Noivos), de Alessandro Manzoni.
Essas obras não aparecem apenas por preferência estética: juntas, delineiam o tripé espiritual do Papa — a tradição bíblica, o humanismo clássico e o discernimento inaciano. Mas, dentre esses livros, justamente aquele sobre I Promessi Sposi que Francisco se deteve mais longamente.
Na audiência geral de 27 de maio de 2015, dedicada ao tema do noivado, ele surpreendeu os fiéis recordando que já lera o romance “três vezes” e que o mantinha “sobre a mesa, pronto para reler”. Naquele discurso, definiu o livro como “um apêndice do Evangelho” e recomendou que jovens casais percorressem as agruras de Renzo e Lucia para compreender que o amor cristão “se constrói na fidelidade provada”.
As raízes dessas escolhas repousam em sua formação jesuítica. Bergoglio ingressou no seminário diocesano de Villa Devoto em 1957 e, menos de um ano depois, entrou no noviciado da Companhia de Jesus (11 mar 1958). Seguiu o currículo tradicional da ordem: humanidades no Chile, licenciatura em Filosofia (1963) e, já de volta ao Colegio Máximo San José, o triénio de Teologia (1967‑1970).
Desde então, combinou duas tendências que hoje caracterizaram seu pontificado: rigor doutrinal — nutrido pela leitura de teólogos como De Lubac — e opção pastoral pelos pobres, temperada pela sensibilidade literária que encontrou eco em Dostoiévski, Borges e Manzoni.
O resultado foi, em vida, um Papa que citou com propriedade, por exemplo, Virgílio para falar de “Igreja em saída”, invoca Inácio para "insistir no discernimento" e recorre à distopia de Benson quando alerta contra “ideologias que abolam a fé”.
Os dez livros destacados nessa coleção ajudam a entender por que Francisco costuma repetir que “a realidade é mais importante que a ideia”: eles compõem o mosaico de uma fé cultivada na biblioteca tanto quanto nas periferias.
Crédito: Editoria de Pesquisa e Extensão da Plataforma Nacional do Facetubes.
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Fontes consultadas – Catequese de 27 mai 2015 sobre o noivado; L’Osservatore Romano (ed. 14 nov 2013); plano de obras da coleção “La Biblioteca di Papa Francesco” (Corriere della Sera); biografia oficial no site vatican.va sobre a entrada de Bergoglio na Companhia de Jesus.