Edmilson Sanches
"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos. Infelizmente, exige-se pouco do nosso poeta; menos do que se reclama ao pintor, ao músico, ao romancista..." (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, em seu artigo “Autobiografia para uma revista”, n…
[16:14, 31/10/2024] EDMILSON SANCHES: Nascemos poesia e morremos pó
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31 DE OUTUBRO, DIA NACIONAL DA POESIA (*)
"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos. Infelizmente, exige-se pouco do nosso poeta; menos do que se reclama ao pintor, ao músico, ao romancista..." (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, em seu artigo “Autobiografia para uma revista”, no livro “Confissões de Minas” (1944).
Li, rapazote, toda a obra drummondiana em 1977/78: a poética, até esse tempo, 15 livros, de “Alguma Poesia”, obra inaugural de 1930, a “Viola de Bolso”; a contística, os “Contos de Minas”; a prosaica, sete livros, de “Confissões de Minas” a “O Poder Ultrajovem”.
O trecho da “Autobiografia” acima é do livro “Confissões de Minas”, de 1944. “Autobiografia para uma revista” é a nona crônica das 22 que fazem o livro confessional. Drummond a escreveu a pedido de uma publicação, a “Revista Acadêmica”. Ele nem desejava escrever esse texto, mas reconsiderou: “[...] sendo inevitável a biografia, era preferível que eu próprio a fizesse, e não outro”. E justifica: “Primeiro, pela autoridade natural que me advém de ter vivido a minha vida. Segundo, porque, praticando aparentemente um ato de vaidade, no fundo castigo o meu ego, contando sem ênfase os pobres e miúdos acontecimentos que assinalam a minha passagem pelo mundo , e evitando assim qualquer adjetivo ou palavra generosa, com que o redator da revista quisesse, sincero ou não, gratificar-me”.
Talvez eu não corrobore todas as considerações de Drummond sobre o fazer poético. Produto humano, a poesia assume, reproduz, espelha as nossas grandezas e deficiências. Assim, nem todo poema tem ou terá a “carga” poética que mentes mais perquiridoras buscam e com que nos brindam.
Poemas, uns, são e serão simples, muitas das vezes simplórios. Outros, considerar-se-ão afinados, refinados, segundo uma dada prevalência da “ars poetica” que cultive, autoimposta pelo poeta ou por este buscada ou a ela perfilado ou à qual, ao sabor e saber das eras, se alie, se afilie.
Uns poemas são lineares, cartesianos, “fáceis”; outros, são trabalhados como ouro em mãos de paciente ourives, diamante sob cuidados de exigente lapidador. Uns são que nem Manoel de Barros; outros, J. G. de Araújo Jorge. Aqueloutros, têm um tanto disso e daquilo. Mas todos com pá lavrando, sulcando o solo da mente, donde saem pomos poéticos maduros, de vez ou verdes, viçosos ou mirrados -- mas tudo fruto.
De todo modo, melhor o frágil fruto que árvore nenhuma, plantio nenhum, semeadura nenhuma. Melhor a “má” poesia que a boa guerra.
Os poemas ditos “menores” não fazem mal nenhum à Poesia, embora se possa fazer mal com ela -- para leitores, autores e sentimentos de outro paladar.
Poesia não sofre. Faz sofrer e, quase sempre, resulta de um sofrimento, uma angústia, uma tortura, uma busca, um querer, uma (im)potência ante a imensidão do Tudo e a pequenez de nós todos.
Poesia não sofre. Porque a Poesia não é Entidade: ela é, sim, instrumento, recurso, um -- nosso -- “modus dicendi”. Assim, o “mal” feito à ou com a Poesia é mal feito a nós mesmos, conosco mesmos. Mas... melhor padecer de um mal poético do que desnecessitar de poesia.
*
Poesia é ato criativo, mas não criatura.
E nós, como se a olhássemos sobranceiros, é que somos criatura -- e, da poesia, seu criador.
Minúsculo criador,
de imperfeições bem feito
-- reproduzidas no poema,
cada um a seu tempo, e jeito.
EDMILSON SANCHES
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(*) 31 de outubro - Dia Nacional da Poesia. Nesta data, em 1902, nasceu em Minas Gerais o poeta Carlos Drummond de Andrade, falecido no Rio de Janeiro, em 17/08/1987. O Dia Nacional da Poesia foi instituído pela Lei federal nº 13.131, de 03/06/2015. Antes, a data "não oficial" do Dia Nacional da Poesia era 14 de março, dia de nascimento do poeta baiano Castro Alves, em 1847 (falecido em 06/07/1871).
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O POETA, QUEM É?
O poeta é também aquele que, no microscópio,
olhar (ad)mirado, percebe imperceptíveis grandezas.
É aquele que, olhar multifocado, no telescópio,
apreende o sentimento do detalhe, das miudezas.
O poeta é aquele que, adulto, sabe ser criança,
ser adolescente, rapazote, jovem, menininho.
E, jardineiro, sabe cultivar flores e esperança.
E, sobretudo, o poeta é um cultivador de espinhos.
“Poeta”, em grego, é aquele que faz, compõe, constrói, cria.
É aquele que, mais que livros e mais que arcano, imensidão,
lê pessoas
--- elas e além delas, sua tristeza, pasmo, sua alegria --
e assim tece ele versos, tece linhas e, humano tecelão,
tece loas.
(EDMILSON SANCHES)
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FALTA (MAIS) POESIA NA ESCOLA
----- 31 de outubro, Dia Nacional da Poesia
“(...) A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem. A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo. (...)” (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, em “A Educação do Ser Poético”, 20/07/1974)
* * *
Nascemos poesia e morremos pó. E entre um e outro momento nos perdemos daquilo que, bebê, criança, viam em nós: emoção, inspiração, razão de ser.
É isso mesmo: Por que retiram ou retiramos de nós o encanto de nascença e, como vítimas de Medusa, tornamo-nos pedras, calcificamos os sentidos, endurecemos a sensibilidade?
Estamos sempre em busca de TORNAR SONHOS EM OBRAS CONCRETAS quando deveríamos TRANSFORMAR A CONCRETUDE EM OBRA DE SONHOS.
A escola, como espaço de alimentação de cérebros, de formação de pessoas, poderia ser esse espaço de sensações... sentimentos... sensibilidades. Um espaço com/sentido, com/sentimento.
A escola não deveria se envergonhar de seguir uma “receita”: aplicar “injeções” de poesia, por via intraneural, diariamente, no início de cada aula. Uma leitura de texto poético, selecionado pelos próprios alunos... e pronto.
Não é para “descobrir” poetas no meio deles -- É PARA NÃO ENCOBRIR A HUMANIDADE DENTRO DELES.
Não é, muito menos, para formar escritores -- é para não deformar gentes.
A poesia não faz milagres -- o milagre somos nós. Somos poesia, somos “poiésis” -- “criação”, “obra poética”, em grego.
O mundo precisa de médicos, de engenheiros, de advogados...
O “mercado” precisa de trabalhadores, de profissionais, de consumidores...
A escola não precisa ser só fábrica de doutores. A “schole” significa “lazer”, não “fazer”. Escola, portanto, é espaço de libertação, imaginação... De MAIS poesia.
Mas o que se vê são conteúdos demais, formalistas demais --- não é à toa que eles se chamam “disciplina”).
O que se vê são conteúdos duros demais – não é à toa que eles também se chamam... “matéria”.
Claro que quase sempre não é fácil a “leitura” poética. Aí, bem... aí vai depender da formação/informação/afirmação de cada leitor da poesia. Vai depender de seu cardápio de conteúdos, seu “menu” de sensibilidade.
Cada aluno, em fases etárias diversas, tem seu próprio “apanhado” de coisas -- o que lê, o que ouve, o que conversa, o que sonha, o que faz, o que reflete...
O caldeirão de saberes , fazeres e pensares poderá conter algo mais denso ou, por enquanto, ainda ralo, mas existente. Todos temos algo a dizer de tudo. Pode faltar vontade ou oportunidade para expressar isso, mas que temos, temos!
Há, sim, espaço para a poesia.
Dentro das pessoas.
Dentro das escolas.
(EDMILSON SANCHES)
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BIVALVE
Em teu casulo
me acasalo
me encapsulo.
Nele, dentro,
me movimento
-- ele me entende
e se distende
completamente
(me) move
-- comove --
fortemente
(me) envolve
profundamente
até que cio e selva
sejam só céu e relva
e saia o arado
e fique a leiva
e em mim saciado
brote a seiva
e eu homem me transmuto em rio
e sobre você mulher margens e leito
corro
percorro
escorro
liquefeito.
Em teu casulo
me acasalo
me encapsulo:
nele sou mais
quanto mais
me anulo...
(EDMILSON SANCHES)
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EDMILSON SANCHES. Jornalista, escritor, editor, palestrante e consultor em Gestão Pública e Administração de Empresas. Tem graduação e pós-graduação em Administração Pública, Letras, Administração de Empresas, Comunicação e Desenvolvimento Regional. Autor de dezenas de livros nas áreas de Administração, Comunicação, Desenvolvimento, História e Literatura. Membro de Institutos Históricos, Academia de Ciências, Conselhos de Administração e Contabilidade e membro de Academias de Letras nos Estados do Maranhão, Pará, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Estados Unidos. Contatos: [email protected]