Da redação do Facetubes
"O cenário literário brasileiro tem sido constantemente enriquecido por personalidades multifacetadas, cujas contribuições transcendem as páginas dos livros e se estendem à esfera cultural. Entre esses notáveis, destaca-se o poeta, escritor e ativista cultural maranhense, Raimundo Fontenele, uma figura que se estabeleceu como um globetrotter de intuição, viajando pelo mundo das palavras e da experiência humana.
Nascido no Maranhão, Fontenele conseguiu cativar os leitores e críticos literários com sua habilidade excepcional de fazer uma literatura que captura a essência da cultura, história e cotidiano das cidades que escolheu para morar. Uma delas, São Luís do Maranhão. No entanto, foi com o lançamento de seu mais recente livro, "República dos Apicuns", que Raimundo Fontenele conseguiu mais uma vez alcançar as alturas das letras nacionais, relembrando a efervescência de décadas passadas.
É impossível mencionar Raimundo Fontenele sem recordar o movimento que ele ajudou a liderar, ao lado de figuras ilustres como Viriato Gaspar, Chagas Val, Valdelino Cécio e Luís Augusto Cassas. Esse grupo audacioso, assim como Moisés, dividiu o oceano poético maranhense entre o Antes e o Depois. Sua influência deixou marcas indeléveis na literatura brasileira, moldando o curso da poesia e da cultura maranhense de maneiras profundas e duradouras.
O livro "República dos Apicuns" é, sem dúvida, um marco na carreira de Raimundo Fontenele. Sua publicação, a partir de hoje, em capítulos pelo Facetubes, assim como já o faz com o poeta, escritor e pesquisador Augusto Pellegrini, (confira em https://www.facetubes.com.br/noticia/4682/as-cores-do-swing-livro-de-augusto-pellegrini-capitulo-18-n-as-razoes-do-declinio-n-parte-3) oferece aos leitores a oportunidade de mergulhar nas páginas dessa obra e apreciar a qualidade literária ímpar do autor. No entanto, este livro, A República dos Apicuns, vai muito além de uma mera narrativa; ele se revela como um documento histórico de grande valor, traçando uma linha do tempo que conecta o passado, o presente e o futuro (como exemplos) da cultura maranhense.
Em um gesto que nos lembra o saudoso poeta e escritor Ferreira Gullar, que escreveu sobre as histórias boêmias de sua cidade e de sua gente no livro "Em Alguma Parte Alguma", especialmente quando Gullar diz, que o "poema nasce do 'espanto' (...)", quando inesperadamente "depara-se com um aspecto inesperado do real", Raimundo Fontenele compartilha também esse 'espanto', ao conhecer, em profundidade, a vida boêmia da Ilha e aprofundar-se no mundo das riquezas culturais que esse 'espanto' lhe trouxe, por consequência.
Assim como Gullar, Fontenele utiliza a literatura como uma ferramenta poderosa para retratar e preservar a rica origem de sua própria vida, misturada aos altos e baixos de uma São Luís metagógica, com requintes de uma linguagem prosopopéica, que o acolheu da mesma forma que uma professora de história geral, numa grande sala de aula do Mundo.
Neste momento em que o Facetubes se sente honrado em receber Raimundo Fontenele, só me resta dizer, cheio de orgulho: seja bem-vindo, Monsieur Fontenele, pois seu retorno às lides da literatura nacional é uma dádiva para todos nós, amantes da palavra escrita, e a promessa de mais décadas de contribuições essenciais e existenciais.
Desta forma, caro amigo, Fontenele, "República dos Apicuns" é, sem dúvida, uma obra que merece um lugar de destaque nas estantes de todos aqueles que valorizam a literatura como uma janela para a alma de uma nação e seu povo".
Curitiba-PR, 5.32h, madrugada de 02.01.2024
Atenciosamente,
Mhario Lincoln, editor-sênior do Facetubes e presidente da Academia Poética Brasileira
O CALIFADO DOS APICUNS
Raimundo Fontenele
Pra quem não sabe, principalmente as novas gerações: há em São Luís, nas imediações da Rua do Passeio, aquela quadra antes da Avenida Kennedy, próximo ao Socorrão, por trás do Hospital Português, também perto de um endereço famoso que era o Cine Rialto, atrás do SENAC, enfim, situa-se neste endereço um tanto impreciso pela pobreza da minha descrição, a Rua dos Apicuns. Bem que poderia esse quadrilátero geográfico tomar o nome de Bairro dos Apicuns, se já não o fez.
Pois este território é um pedaço mágico na recordação de muitos poetas e literatos, políticos e pensadores, boêmios e vagabundos. Falo vagabundos, porque vocês não imaginam a finesse e o glamour dos vagaus de outrora.
E nessa Rua dos Apicuns residia uma espécie de Califa de Bagdá, e ele certamente me quebraria os ossos, fosse vivo e me ouvisse falando tal sacrilégio, pois o grande José Erasmo de Fontoura e Esteves Dias (na verdade seu nome verdadeiro era José Erasmo Dias, mas ele resolveu acrescentar o de Fontoura e Esteves para dar um certo ar de nobreza, e ele fazia questão de que assim fosse chamado e assim também fosse grafado seu nome), pois Erasmo era um judeu convicto, desses capazes de, na madrugada, encharcado de pinga, além de pronunciar palavras em hebraico, chamar pelos seus reis magos Davi e Salomão, atracar-se num pedaço de carneiro, frio, ensebado, com alho cru, e mastigar isso com verdadeira fome, enquanto, emotivo como ele só, derrama algumas lágrimas de crocodilo, pelo amor à vida, a vida em si mesma, não por amores perdidos, paixões fracassadas ou ilusões perdidas.
Intelectual maranhense de primeira grandeza, seu livro Páginas de Crítica introduziu, em nosso pacato e provinciano meio literário, o nome e a obra dos maiores escritores da literatura universal, inclusive traduzindo algumas dessas feras da prosa e da poesia.
Político, tribuno polêmico, orador pertencendo à estirpe dos grandes romanos, Erasmo era um Cícero maranhense, um Catilina dotado da mesma verve, sabedoria e improviso para fazer calar, do púlpito em que discursava na Assembléia Legislativa do Estado, alguns deputados de araque, demagogos de primeira grandeza em que o Maranhão, infelizmente, também é pródigo.
A lenda não precisa de comprovação de que seja verdadeira, assim como o mito dispensa concretude: senão, não seriam lendas e mitos. Uma dessas é que travando discussão em sessão da Assembléia Legislativa, alguém o aparteou chamando-o de burro ao que ele prontamente respondeu: “O que V. Exa. ouve é o eco da sua própria voz”.
Erasmo Dias foi deputado, foi prefeito de São Luís por um breve tempo, foi escritor, poeta, cronista, crítico, boêmio, judeu, amigo dos amigos, beberrão imoderado, tudo que se pensar ele foi, com sobra, em excesso, além dos limites, ocupando assim a memória e o coração dos que o conheceram e tiveram a felicidade de privar de sua convivência e amizade. Por menor que fosse, tornavam-se grandiosas, imensas, inesquecíveis.
Outro dia, ou um dia desses, conversando com o ilustre e fabuloso poeta e escritor Fernando Braga acerca dessas minhas crônicas rememorativas, tocamos no nome de Erasmo Dias e suas histórias, sabem como é, conversa vai, conversa vem, o poeta Fernando Braga, que agora se exila numa cidade histórica, turística e famosa por suas águas termais no Estado do Goiás, me disse que poderia ajudar-me com alguns subsídios, ele também com essa facilidade narrativa que quem conhece seus textos pode confirmar, e daí pensei numa crônica chamada A República dos Apicuns. Haja fôlego, não é, amigos? Sem ponto ou ponto e virgula num parágrafo desse, desculpem-me o estilo prolixo, espero que não seja cansativo. Então o Fernando achou muito bom esse título, um achado feliz, mesmo sabendo nós que o poeta Luís Augusto Cassas foi, entre nós maranhenses, o pioneiro com o seu livro de poemas A República dos Becos, um dos momentos mais altos da poesia maranhense, uma ode belíssima a uma São Luís que somente na década de setenta assentaria raízes mais profundas naquela tradição e transformação modernista que o centro do país vivera nos anos 20.
E não podemos esquecer A República, de Platão, da qual os poetas eram praticamente banidos, nem a República de Curitiba com seu processo de limpeza da Lava Jato, que passará à história como um momento dos mais felizes da historiografia brasileira, quando fomos capazes de olhar para dentro de nós mesmos e proclamarmos, alto e bom som, para o mundo todo ouvir: “sim, somos um bando de corruptos e corruptores”.
A partir de agora saem As Crônicas Ludovicenses e entra A REPÚBLICA DOS APICUNS, com o subtítulo Crônicas Ludovicenses. Vamos continuar contando nossa história pessoal entre 1967 e 1976, anos em que vivi na capital maranhense, fundindo-a (ela, a história) com a cidade de São Luís e seus acontecimentos: literários uns, históricos outros; esses, políticos e aqueloutros humorísticos, sem esquecer seus personagens, figuras sui generis na paisagem urbana e cultural da Ilha Rebelde. Lerão sobre o Rei dos Homens e o Companheiro, este vendendo na esquina da João Lisboa com a Rua Grande o melhor cachorro quente da cidade naquela época de ouro da amada São Luís. Acompanhem-me.
Ou, como dizia o Chaves, “sigam-me os bons".